quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

MANUAL OFICIAL
DA
LEGIÃO DE MARIA
1ª edição no Brasil
conforme nova edição revista
e aumentada publicada pelo
Concilium em 1993
CONCILIUM LEGIONIS MARIAE
De Montfort House
North Brunswick Street
Dublin – Ireland
NOVA EDIÇÃO REVISADA NO BRASIL – 1996
Concilium Legionis –Dublin / Irlanda
Nada obsta:
Joseph Moran, O.P.
Censor Theologicus Deputatus
Imprima-se:
+ Desmond Connell
Arcebispo de Dublin
Hiberniae Primas
Dublin, 8 de dezembro de 1993.
SENATUS DO BRASIL
Nada obsta:
Pe. Antonio Carlos Rossi Keller
Censor “ad hoc”
Imprima-se:
Paulo Evaristo Card. Arns
Arcebispo Metrop. de São Paulo
São Paulo, 14. 6. 1996.
_____________________________________________________________
DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAIS:
Vide relação anexa no final deste Manual.
1
Índice Geral dos Assuntos
Página
Abreviaturas dos livros da Bíblia........................................................... 3
Abreviaturas dos Documentos do Magistério........................................ 4
João Paulo II à Legião de Maria............................................................. 5
Nota Preliminar....................................................................................... 7
Perfil de FRANK DUFF......................................................................... 8
Fotografias: Frank Duff........................................................ face à pág. 8
[Altar] Legionário............................................. face à pág. 106
Vexilla........................................................... face às págs.146-7
Capítulos:
1. Nome e origem.................................................................................... 9
2. Finalidade da Legião........................................................................... 11
3. O espírito da Legião............................................................................ 12
4. Serviço legionário............................................................................... 13
5. Espiritualidade da Legião.................................................................... 17
6. Os deveres dos legionários para com Maria........................................ 25
7. O legionário e a Santíssima Trindade.................................................. 41
8. O legionário e a Eucaristia................................................................... 44
9. O legionário e o Corpo Místico de Cristo............................................ 50
10. Apostolado da Legião......................................................................... 57
11. O plano da Legião............................................................................... 67
12. Fins externos da Legião....................................................................... 71
13. Condições de admissão na Legião....................................................... 80
14. O Praesidium....................................................................................... 83
15. Compromisso legionário...................................................................... 89
16. Graus suplementares da Legião........................................................... 91
17. As almas dos legionários falecidos...................................................... 102
18. Ordem a observar na reunião do Praesidium....................................... 104
19. A reunião e o membro......................................................................... 115
20. O sistema legionário não deve ser alterado......................................... 124
21. O místico lar de Nazaré....................................................................... 126
22. Orações da Legião............................................................................... 129
23. As orações são invariáveis................................................................... 133
24. Padroeiros da Legião............................................................................ 134
25. O Quadro da Legião............................................................................. 143
26. A Tessera.............................................................................................. 146
27. Vexillum Legionis................................................................................ 147
28. Administração da Legião...................................................................... 150
29. Lealdade legionária............................................................................... 168
30. Solenidades legionárias......................................................................... 170
31. Expansão e recrutamento....................................................................... 177
2
Página
32. Antecipando objeções prováveis............................................................ 180
33. Principais deveres dos legionários.......................................................... 188
34. Deveres dos oficiais do Praesidium........................................................ 207
35. Receitas e Despesas................................................................................ 217
36. Praesidia que exigem tratamento especial............................................... 219
37. Sugestões de trabalhos............................................................................. 227
38. Os Patrícios.............................................................................................. 257
39. Principais diretrizes do apostolado legionário......................................... 269
40. “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura”.............. 304
41. “A maior das três é a caridade” ............................................................... 324
APÊNDICES:
Apêndice 1: Cartas e mensagens papais.......................................................... 327
Apêndice 2: Alguns extratos da Constituição
Lumen Gentium do Vaticano II ................................................. 332
Apêndice 3: Trechos do Direito Canônico sobre as
obrigações e direitos dos fiéis leigos na Igreja............................. 334
Apêndice 4: A Legião Romana......................................................................... 336
Apêndice 5: A Arquiconfraria de Maria, Rainha dos Corações....................... 338
Apêndice 6: A Medalha da Imaculada Conceição
chamada “Medalha Milagrosa” .................................................... 340
Apêndice 7: A Confraria do Santíssimo Rosário............................................... 342
Apêndice 8: O ensino da Doutrina Cristã........................................................... 344
Apêndice 9: Associação de Pioneiros da Temperança
Total em honra do Coração de Jesus............................................... 345
Apêndice 10: O estudo da Fé.............................................................................. 346
Apêndice 11: Síntese marial............................................................................... 349
Oração de S. Bernardo........................................................................................ 352
Índice das referências bíblicas............................................................................. 353
Índice dos Documentos do Magistério................................................................. 355
Índice das referências papais................................................................................ 356
Índice dos Autores e outras pessoas de interesse.................................................. 357
Índice geral dos assuntos (pormenorizado) .......................................................... 360
Índice alfabético dos assuntos............................................................................... 366
Nota sobre as referências a Jesus Cristo................................................................ 373
Poema de José Maria Plunket................................................................................ 374
Abreviaturas dos Livros da Sagrada Escritura
Antigo Testamento Novo Testamento
GN Gênesis
EX Êxodo
JS Josué
1 SM 1 Samuel
1 Cr 1 Crônicas
Sl Salmo
Ecl Eclesiastes
Ct Cântico dos Cânticos
Eclo Eclesiástico
Is Isaías]
Dn Daniel
Mt Mateus, Mc Marcos, Lc Lucas
Jo João , At Atos dos Apóstolos, Rm Romanos
1 Cor 1 Coríntios, 2 Cor 2 Coríntios, Gl Gálatas
Ef Efésios
Fl Filipenses
Cl Colossenses
1 Ts 1 Tessalonicenses
1 Tm 1 Timóteo
2 Tm 2 Timóteo
Hb Hebreus
1 Pd 1 Pedro
1 Jo 1 João
Jd Judas
3
Abreviaturas dos Documentos do Magistério
DOCUMENTOS DO VATICANO II (1962-1965)
AA Apostolicam Actuositatem (Decreto sobre o Apostolado dos Leigos)
DV Dei Verbum (Constituição Dogmática sobre a Divina Revelação)
GS Gaudium et Spes (Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo)
LG Lumen Gentium (Constituição Dogmática sobre a Igreja)
PO Presbyterorum Ordinis (Decreto sobre o Ministério e Vida dos Sacerdotes)
SC Sacrosanctum Concilium (Constituição sobre a Sagrada Liturgia)
UR Unitatis Redintegratio (Reintegração da Unidade)
OUTROS DOCUMENTOS DO MAGISTÉRIO
AAS Acta Apostolicae Sedis (Atos da Sé Apostólica)
AD Ad diem illum (Jubileu da definição da Imaculada Conceição, S. Pio X, 1904)
AN Acerbo Nimis (Ensino da Doutrina Cristã, S. Pio X, 1905)
CIC Catecismo da Igreja Católica, 1992.
ChL Christifideles Laici (A vocação e a missão dos fiéis leigos na Igreja e no Mundo,
João Paulo II, 1988)
CT Catechesi Tradendae (A catequese no nosso tempo, João Paulo II, 1979)
EI Enchiridion Indulgentiarum (Lista oficial das indulgências e das leis que as regem.
Sagrada Penitenciaria, 1968)
EN Evangelii Nuntiandi (Evangelização do mundo moderno, Paulo VI, 1975)
FC Familiaris Consortio (A família cristã no mundo moderno, João Paulo II, 1981)
JSE Jucunda Semper (O Rosário, Leão XIII, 1894)
MC Mystici Corporis (O Corpo Místico de Cristo, Pio XII, 1943)
Mcul Marialis Cultus (A reta ordenação e desenvolvimento da devoção à Bem-aventurada
Virgem Maria, Paulo VI, 1974)
MD Mediator Dei (A Sagrada Liturgia, Pio XII, 1947)
MF Mysterium Fidei ( O Mistério da Fé – sobre o mistério da Eucaristia, Paulo VI,
1965)
MN Mens Nostra (Retiros, Pio XI, 1929)
PDV Pastores Dabo Vobis (A formação dos sacerdotes nos tempos atuais, João Paulo II,
1992)
RM Redemptoris Missio ( A validade permanente do mandato missionário, João Paulo
II, 1990)
RMat Redmptoris Mater (Maria, Mãe do Redentor, João Paulo II, 1987).
SM Signum Magnum (Consagração a Nossa Senhora, Paulo VI, 1967)
UAD Ubi Arcano Dei (A paz de Cristo no Reino de Cristo, Pio XI, 1922).
4
João Paulo II à Legião de Maria
Palavras do Santo Padre João Paulo II
A um grupo de legionários italianos em
30 de outubro de 1982.
1. As minhas boas-vindas são dirigidas a cada um de vós. É um motivo de alegria para mim
ver-vos nesta sala em tão grande número, vindos das várias regiões da Itália, tanto mais que
sois apenas uma pequena parte do movimento apostólico, que, no espaço de sessenta anos,
se espalhou rapidamente pelo mundo e hoje, a dois anos da morte do seu Fundador, Frank
Duff, está presente em muitíssimas dioceses da Igreja universal.
Os meus predecessores, a começar por Pio XI, dirigiram palavras de
reconhecimento à Legião de Maria, e eu próprio, no dia 10 de maio de 1979, quando recebi
uma das vossas primeiras delegações, recordei com grande prazer as ocasiões em que tinha
estado com a Legião, em Paris, Bélgica, Polônia e agora, como bispo de Roma, no decurso
das minhas visitas pastorais às paróquias da cidade.
Hoje, portanto, ao receber em audiência a peregrinação italiana do vosso
movimento, gostaria de realçar aqueles aspectos que constituem a substância da vossa
espiritualidade e o vosso modo de ser e de trabalhar dentro da Igreja.
Chamados a ser fermento
2. Sois um movimento de leigos que vos propondes fazer da fé a aspiração da vossa vida,
para conseguirdes a santidade pessoal. Sem dúvida que é um ideal sublime e difícil. Mas
hoje a Igreja, através do Concílio, chama todos os cristãos leigos a este ideal, convidandoos
a participar do sacerdócio real de Cristo, que eles exercem pelo testemunho da santidade
de vida, pela abnegação e caridade concreta; a ser no mundo, com o esplendor da fé,
esperança e caridade, aquilo que a alma é para o corpo (Lumen Gentium, 10 e 38).
A vossa vocação própria, como leigos, isto é, a vocação a serdes um fermento no
Povo de Deus, uma força inspiradora no mundo moderno, a conduzir o sacerdote ao meio
do povo, é eminentemente eclesial. O mesmo Concílio Vaticano Segundo exorta todos os
leigos a aceitarem com pronta generosidade, o chamamento a uma mais íntima união com o
Senhor; considerando como de todos, aquilo que lhes é próprio, participam na mesma
missão salvífica da Igreja, tornam-se seus instrumentos vivos, sobretudo onde, por causa
das particulares condições da sociedade moderna – o aumento constante da população, a
redução do número de sacerdotes, o surgimento de novos problemas, a autono-
5
mia de muitos setores da vida humana – a Igreja dificilmente pode estar presente e ativa
(ibidem, 33).
A área do apostolado dos leigos está nos dias de hoje extraordinariamente dilatada.
Por isso, o compromisso da vossa típica vocação torna-se mais urgente, estimulante, vivo e
relevante. A vitalidade do laicato cristão é sinal da vitalidade da Igreja. O vosso
compromisso legionário torna-se por isso mais urgente, considerando, por um lado, as
necessidades da sociedade italiana e das nações de antiga tradição cristã, e, por outro, os
brilhantes exemplos que vos precederam no vosso próprio movimento. Quero lembrar-vos
apenas alguns nomes: Edel Quinn, com a sua atividade na África negra; Afonso Lambe, nas
áreas marginalizadas da América Latina e, finalmente, os milhares de legionários
assassinados na Ásia ou que terminaram a vida nos campos de trabalho.
Com o espírito e a solicitude de Maria
3. A vossa espiritualidade é eminentemente mariana, não só porque a Legião se gloria do
nome de Maria como sua bandeira desfraldada, mas, acima de tudo, porque baseia a sua
espiritualidade e apostolado no princípio dinâmico da união com Maria, na verdade da
íntima participação da Virgem Maria no plano da salvação.
Por outras palavras, vós pretendeis servir cada pessoa, imagem de Cristo, com o
espírito e solicitude de Maria.
Se o nosso único Mediador é o homem Jesus Cristo, como declara o Concílio, “a
função maternal de Maria em relação aos homens de modo algum enfraquece o brilho ou
diminui esta única mediação de Cristo; manifesta antes a sua eficácia” (LG 60). Por isso, a
Virgem é invocada na Igreja com os títulos de Advogada, Auxiliadora, Perpétuo Socorro,
Medianeira, Mãe da Igreja.
Daqui vem, que no seu nascimento e crescimento e no seu trabalho apostólico, olha
para Aquela que deu Cristo à luz, concebido pela ação do Espírito Santo. Onde está a Mãe,
aí está também o Filho. Aquele que se afasta da Mãe acaba, mais cedo ou mais tarde, por se
distanciar do Filho. Não é de admirar que hoje, em vários setores da sociedade, notamos
uma difundida crise da fé em Deus, precedida de uma queda na devoção à Virgem Mãe.
A vossa Legião faz parte dos movimentos que se sentem pessoalmente
comprometidos a propagar ou fazer nascer a fé, mediante a expansão ou o renascimento da
devoção a Maria. Deste modo, será sempre capaz de fazer quanto puder para que, pelo
amor à Mãe, seja mais conhecido e amado o Filho – caminho, verdade e vida de cada
pessoa.
É nesta perspectiva de fé e de amor que vos concedo, de todo o coração a Bênção
Apostólica.
6
NOTA DE ESCLARECIMENTO
A presente edição deste Manual recebeu revisão de linguagem a partir da edição de
Portugal, traduzida diretamente do original inglês (Dublin – Irlanda).
A equipe responsável não fez qualquer alteração no conteúdo (não se
contemplaram outros aspectos como: normas, orientações pastorais etc., bem como os
nomes em latim, que foram mantidos), visto ser isso competência exclusiva do
Concilium Legionis.
Buscou-se, sempre sendo fiel ao original, tão somente simplificar a linguagem, de
modo a torná-la mais acessível e mais clara. Procurou-se adequar o vocabulário, o máximo
possível, à realidade de comunicação e expressão do Brasil.
Que o mesmo Divino Espírito, que iluminou e animou este trabalho, venha a suprir,
no coração e no entendimento da família legionária, as falhas que nossas limitações não
conseguiram sanar.
Com carinho, pelas mãos de Maria,
EQUIPE DE REVISÃO
1921 – 1996
“LEGIÃO DE MARIA:
75 anos no Mundo e
45 Anos de Caminhada no Brasil”
Nota Preliminar
A Legião é um sistema que pode ser desequilibrado pela supressão ou alteração de
qualquer das suas partes. Dela poderiam ter sido escritos os seguintes versos de Whittier:
“Arrancai um só fio, e danificareis a teia.
Quebrai uma que seja dos milhares de teclas,
e o estrago há de repercutir-se em todas elas”.
Por isso, se não estais dispostos a pôr em prática o sistema como vem escrito
nestas páginas, por favor, não fundeis a Legião. Lede cuidadosamente a este respeito o
capítulo 20: “O sistema legionário não deve ser alterado”.
Além disso, ninguém pertence à Legião, sem nela se haver filiado, através de um
Conselho devidamente aprovado.
Se a experiência passada pode servir de exemplo, nenhum ramo da Legião falhará,
no caso de se conformar fielmente com as normas aqui traçadas.
7
FRANK DUFF
Fundador da Legião de Maria
Frank Duff nasceu em Dublin, na Irlanda, a 7 de junho de 1889. entrou para o
Funcionalismo Civil aos 18 anos. Aos 24, alistou-se na Sociedade de S. Vicente de Paulo,
onde foi levado a um mais profundo compromisso com a sua Fé Católica e adquiriu, ao
mesmo tempo, uma grande sensibilidade às necessidades dos pobres e desfavorecidos.
Juntamente com um grupo de senhoras católicas e o Padre Michael Toher, da
Arquidiocese de Dublin, fundou o primeiro Praesidium da Legião de Maria, a 7 de
setembro de 1921. A partir desta data até a morte, a 7 de novembro de 1980, orientou a
extensão mundial da Legião, com heróica dedicação. Assistiu ao Concílio Vaticano II,
como observador leigo.
Os seus ímpetos de profunda compreensão do papel da Santíssima Virgem no plano
da Redenção, bem como do papel dos fiéis leigos na missão da Igreja, refletem-se no
Manual, quase inteiramente, obras das suas mãos.
Frank Duff
8
[página 9]
LEGIÃO DE MARIA
“Quem é esta que avança como a aurora, formosa como a lua, brilhante como o
sol, terrível como um exército em ordem de batalha?” (Ct 6, 9).
“O nome da Virgem era Maria” (Lc 1, 27).
“Legião de Maria! Que nome bem escolhido!” (Pio XI).
1
NOME E ORIGEM
A Legião de Maria é uma Associação de católicos que, com a aprovação da Igreja e
sob o poderoso comando de Maria Imaculada, Medianeira de todas as graças, (formosa
como a lua, brilhante como o sol e, para Satanás e seus adeptos, terrível como um exército
em ordem de batalha), se constituíram em Legião para servir na guerra, perpetuamente
travada pela Igreja contra o mal que existe no mundo.
“Toda a vida humana, quer individual quer coletiva, se apresenta como uma luta
dramática entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas” (GS 13).
Este exército, hoje tão numeroso, teve a mais humilde das origens. Não proveio de
longas meditações: surgiu espontaneamente, sem premeditações de regras e práticas. Surgiu
a idéia. Marcou-se uma tarde para a reunião de um pequeno grupo cujos componentes
dificilmente supunham que estavam a ser instrumentos da Divina e amorosa Providência. O
aspecto daquela reunião foi idêntico ao das reuniões legionárias que depois viriam a se
efetuar em toda a terra. No meio do grupo, sobre uma mesa,
9
[Capítulo 1 Nome e Origem página 10]
com uma toalha branca, erguia-se uma imagem da Imaculada Conceição (igual à da
Medalha Milagrosa) ladeada por dois vasos de flores e duas velas acesas. Esta disposição,
tão expressiva no seu conjunto, fruto da inspiração de um dos primeiros a chegar, refletia
perfeitamente o ideal da Legião de Maria. A Legião é um exército. E, antes mesmo de os
legionários se reunirem, ela, a Rainha, já aguardava, de pé, aqueles que certamente
atenderiam ao seu chamado. Não foram eles que a adotaram: foi ela que os adotou. E desde
então, com ela marcharam e combateram, certos de que haviam de vencer e perseverar,
precisamente na medida em que estivessem unidos a ela.
O primeiro ato coletivo destes legionários foi ajoelhar. Aquelas cabeças jovens e
ardentes inclinaram-se. Rezou-se a Invocação e a Oração ao Espírito Santo; e depois,
aqueles dedos que, durante o dia, haviam trabalhado arduamente, desfiaram as contas do
terço, a mais simples das devoções. Terminadas as orações, sentaram-se e, sob a proteção
de Maria (representada por sua imagem), aplicaram-se a procurar os meios de mais agradar
a Deus e de O tornar mais amado neste mundo, que lhe pertence. Desta troca de impressões
nasceu a Legião de Maria, com a fisionomia que hoje apresenta.
Que maravilha! Quem, considerando a humildade de tais pessoas e a simplicidade
do seu procedimento, poderia prever, mesmo num momento de entusiasmo, o destino que
em breve as esperava? Quem, dentre elas, poderia imaginar que estava sendo inaugurado
um sistema que, sendo dirigido com fidelidade e vigor, possuiria o poder de comunicar,
através de Maria, a doçura e a esperança às nações? Entretanto, assim havia de ser.
O primeiro alistamento dos legionários de Maria realizou-se em Myra House,
Francis Street, Dublin, Irlanda, às vinte horas do dia 7 de setembro de 1921, véspera da
festa da Natividade de Nossa Senhora. A organização nascente ficou conhecida no início
como “Associação de Nossa Senhora da Misericórdia”, em virtude de o primeiro grupo ter
tomado o título de “Senhora da Misericórdia”.
Circunstâncias, aparentemente casuais, determinaram o dia 7 de setembro, que
parecia menos indicado que o seguinte. Só alguns anos depois – quando provas sem
número de um verdadeiro amor maternal, levaram à reflexão – é que se compreendeu que,
no ato do nascimento da Legião, esta recebera das mãos de sua Rainha uma enternecedora
carícia. “Da tarde e da manhã
10
[Capítulo 2 Finalidade da Legião página 11]
se fez o primeiro dia” (Gn 1, 5); e com certeza os primeiros e não os últimos perfumes da
festa da sua Natividade eram os mais apropriados aos momentos iniciais de uma
organização, cujo principal e constante objetivo consiste em reproduzir em si própria, a
imagem de Maria, de maneira a glorificar melhor o Senhor e a comunicá-lO aos homens.
“Maria é a Mãe de todos os membros do Salvador, porque ela, pela sua caridade,
cooperou no nascimento dos fiéis, na Igreja. Maria é o molde vivo de Deus, porque foi só
nela que um Deus-Homem se formou, de verdade, sem perder qualquer traço da sua
divindade; e porque só nela é que o homem pode verdadeiramente e de uma maneira viva,
formar-se em Deus, na medida em que a natureza humana disto é capaz, pela graça de
Jesus Cristo” (Santo Agostinho).
“A Legião de Maria apresenta a verdadeira face da Igreja Católica” (João XXIII).
2
FINALIDADE DA LEGIÃO
A Legião de Maria tem como fim a glória de Deus, por meio da santificação dos
seus membros, pela oração e cooperação ativa, sob a direção da autoridade eclesiástica, na
obra de Maria e da Igreja: o esmagamento da cabeça da serpente e a extensão do reino de
Cristo.
A menos que o Concilium aprove e as reservas apontadas no Manual Oficial da
Legião, a Legião de Maria está à disposição do Bispo da Diocese e do Pároco para toda e
qualquer forma de serviço social e de Ação Católica que estas autoridades julguem
convenientes aos legionários e útil à Igreja. Os legionários nunca tomarão sobre si qualquer
destas atividades numa Paróquia sem a aprovação do Pároco ou do Ordinário. Por
“Ordinário”, nestas páginas, entende-se o Ordinário local, isto é, o Bispo diocesano ou
outra autoridade eclesiástica competente.
11
[Capítulo 3 O Espírito da Legião página 12]
a) “O fim imediato de tais organizações é o fim apostólico da Igreja, isto é,
destinam-se à evangelização e à santificação dos homens e à formação cristã da sua
consciência, de modo que possam fazer penetrar o espírito do Evangelho, nas várias
comunidades e nos diversos ambientes.
b) Os leigos, cooperando a seu modo com a Hierarquia, contribuem com a sua
experiência e assumem a sua responsabilidade no governo destas organizações, no estudo
das condições em que a ação pastoral da Igreja se deve exercer e na elaboração e
execução dos planos a realizar.
c) Os leigos agem unidos, como um corpo orgânico, para que se manifeste com
maior evidência a comunidade da Igreja e para que o apostolado seja mais eficaz.
d) Os leigos, quer se ofereçam espontaneamente quer sejam convidados à ação e à
direta colaboração com o apostolado hierárquico, trabalham sob a superior orientação da
mesma hierarquia, a qual pode aprovar essa cooperação com um mandato explícito” (AA
20).
3
O ESPÍRITO DA LEGIÃO
O espírito da Legião é o próprio espírito de Maria, de quem os legionários se
esforçarão, de modo particular, por adquirir a profunda humildade, a obediência perfeita, a
doçura angélica, a aplicação contínua à oração, a mortificação universal, a pureza perfeita,
a paciência heróica, a sabedoria celeste, o amor corajoso e sacrificado a Deus e, acima de
tudo, a sua fé, virtude que só ela praticou no mais alto grau, jamais igualado. Inspirado
nesta fé e neste amor de Maria, a Legião lança-se a toda a tarefa, seja ela qual for, “sem
alegar impossibilidades, porque julga que tudo lhe é possível e permitido” (Imitação de
Cristo, L. III: 5).
“O modelo perfeito desta vida espiritual e apostólica é a bem-aventurada Virgem
Maria, Rainha dos Apóstolos: levando na terra uma vida semelhante à do comum dos
homens, cheia de cuidados
12
[Capítulo 4 Serviço Legionário página 13]
domésticos e de trabalhos, a todo o momento se mantinha unida a seu Filho e de modo
singular cooperou na obra do Salvador... Prestem-lhe todos um culto cheio de devoção e
confiem à sua solicitude materna a própria vida e apostolado” (AA 4).
4
SERVIÇO LEGIONÁRIO
1. O legionário deve “revestir-se da armadura de Deus” (Ef 6, 11).
A Legião Romana, cujo nome foi adotado pela organização, atravessou os séculos
com uma gloriosa tradição de lealdade, de coragem, de disciplina, de resistência e de
triunfos, embora a serviço de causas por vezes indignas, ou, pelo menos, puramente
terrenas (Conferir Apêndice 4: A Legião Romana). Evidentemente que a Legião de Maria
não pode apresentar-se à sua Rainha com menos virtudes que a Legião Romana, como se
fosse uma jóia, mas sem as pedras preciosas que a enfeitam. As velhas virtudes daquele
exército são, por conseguinte, o mínimo exigido para o serviço legionário.
S. Clemente, que foi convertido por S. Pedro e trabalhou com S. Paulo, propõe a
Legião Romana como modelo a ser imitado pela Igreja.
“Quem são os inimigos? São os perversos que resistem à vontade de Deus.
Lancemo-nos pois, resolutamente na batalha de Cristo e sujeitemo-nos às suas gloriosas
ordens. Atentemos bem para os que servem na Legião Romana, debaixo das autoridades
militares e notemos a sua disciplina, a sua prontidão, a sua obediência na execução das
ordens. Nem todos são prefeitos ou tribunos ou centuriões ou chefes de cinqüenta homens
ou de outro grau inferior de autoridade. Mas cada homem, na sua escala, executa as
ordens do Imperador e dos seus Oficiais superiores. O grande não pode existir sem o
pequeno, nem o pequeno, sem o grande. Uma certa unidade orgânica liga todas as partes,
de modo que cada uma ajuda as demais e é ajudada por todas. Tomemos o exemplo do
nosso corpo. A cabeça não é nada sem os pés e os pés não são nada sem a cabeça. Mesmo
os mais pequenos órgãos do nosso corpo são necessários e de grande
13
[Capítulo 4 Serviço Legionário página 14]
valor para o corpo inteiro. Com efeito, todas as partes trabalham unidas, em mútua
dependência, e aceitam uma obediência comum para bem de todo o corpo” (S. Clemente,
Papa e Mártir: Epístola aos Coríntios (AD. 96), cap. 36 e 37).
2. O legionário deve ser “uma hóstia viva, santa, agradável a Deus... não
conformado com este século” (Rm 12, 1-2).
Deste alicerce, brotarão, no legionário fiel, virtudes tanto mais elevadas, quanto
mais sublime é a sua causa, e, acima de tudo, uma nobre generosidade que será o eco das
palavras de Santa Teresa d’Ávila: “Receber tanto e dar tão pouco em troca! Oh! É um
martírio que me leva à morte”. Contemplando o Senhor Jesus crucificado que ofereceu por
ele o último suspiro e a última gota de sangue, o legionário deverá esforçar-se por
reproduzir no seu apostolado uma doação completa semelhante.
“Diz-me, meu povo: que mais devia eu ter feito pela minha vinha, além do que
fiz?” (Is 5, 4).
3. O legionário não deve furtar-se ao “trabalho e à fadiga” (2Cor 11, 27).
Como recentes acontecimentos comprovam, haverá sempre lugares na terra, em que
o zelo católico deve estar preparado para enfrentar a tortura ou a própria morte. Assim
muitos legionários passaram o limiar da glória de maneira triunfal. Mas, em geral, a
dedicação do legionário encontrará um campo de ação mais modesto, embora lhe ofereça
ampla oportunidade para um heroísmo pacífico, que não será por isso, menos verdadeiro. O
apostolado da Legião obrigará o contato com muitos que, preferindo ficar longe de
qualquer influência salutar, manifestarão o seu desagrado ao receber a visita daqueles cuja
única missão é espalhar o bem. É claro que todos poderão ser conquistados, mas somente o
serão, à custa de um trabalho corajoso e paciente.
Olhares malévolos, injúrias e repulsas, caçoadas e críticas agressivas, o cansaço do
corpo e do espírito, ânsias torturantes provenientes de insucessos e de dolorosas
ingratidões, frio cortante, chuva que cega, lama e vermes, mau cheiro, ruas escuras,
ambientes asquerosos, renúncia voluntária a prazeres legítimos, aceitação do sofrimento,
próprio a todo o trabalho de apostolado, a angústia
14
[Capítulo 4 Serviço Legionário página 15]
provocada em toda a alma delicada, perante a falta de religião e a libertinagem, a dor de
quem partilha sinceramente o sofrimento do próximo – tudo isto não encerra encanto algum
para a natureza; mas, suportado com doçura e até com alegria, levado com perseverança até
o fim, aproximar-se-á, na balança divina, daquele amor, o maior de todos, que consiste em
dar a vida pelo amigo.
“Que darei eu ao Senhor por todos os benefícios com que Ele me cumulou?” (Sl
116, 12).
4. O legionário deve “andar no amor, como também Cristo nos amou e se entregou a
Si mesmo por nós” (Ef 5, 2).
O segredo do bom êxito junto do próximo está em estabelecer com ele um contato
pessoal, contato de amor e de simpatia. Este amor deve ser mais do que aparência. Tem se
de ser capaz de resistir às provas da verdadeira amizade, o que obrigará freqüentemente, a
certo número de sacrifícios. Cumprimentar, em meios de certa distinção, alguém que pouco
antes visitamos na cadeia; acompanhar publicamente pessoas andrajosas, apertar
efusivamente mãos pouco limpas; compartilhar de uma refeição oferecida numa casa pobre
ou suja: eis o que pode ser custoso para muitos. Mas, se assim não procedermos, a nossa
amizade passará por simulação: perde-se o contato e a alma que estava a ser elevada
afunda-se de novo na desilusão.
Na raiz de todo o trabalho verdadeiramente fecundo deve estar o firme propósito de
uma doação total de nós próprios. Sem esta disposição, o apostolado não tem base. O
legionário que delimita o seu zelo declarando: “Sacrificar-me-ei até aqui, mas não mais”,
embora gaste grandes energias, realizará apenas um trabalho insignificante. Pelo contrário,
se esta boa vontade existe, ainda que nunca ou só em pequena escala, seja chamada a atuar,
não deixará de ser poderosamente produtiva em grandes obras.
“Jesus respondeu-lhe: darás a tua vida por Mim? (Jo 13, 38).
5. O legionário deve “acabar a sua carreira” (2Tm 4, 7).
Assim, o serviço a que a Legião chama os seus soldados, não tem limites nem
restrições. Não se trata de um simples conselho de perfeição, mas de uma necessidade,
porque, se não visamos a um tal objetivo, a perseverança no organismo é impossível. Man-
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[Capítulo 4 Serviço Legionário página 16]
ter-se durante uma vida inteira, no trabalho de apostolado, constitui por si mesmo, heroísmo
que só será atingido por uma série contínua de atos heróicos que encontram a sua
recompensa, na própria perseverança.
Mas a perseverança não é uma característica própria só do indivíduo. Todo e cada
um dos múltiplos deveres da Legião deve levar o cunho de um esforço constante.
Mudanças acontecerão necessariamente: pessoas e lugares diferente que se visitam,
trabalhos que terminaram, substituídos por novos empreendimentos. Tudo isto, porém, é o
resultado da variação constante da vida e não o fruto de inconstância caprichosa e de uma
curiosidade sedenta de novidade, que acaba por arruinar a melhor disciplina. Receosa deste
espírito de instabilidade, a Legião apela incessantemente para um espírito cada vez mais
firme dos seus membros, mandando-os depois de cada reunião para as suas tarefas, levando
consigo uma senha imutável: “Firme!”
A execução perfeita depende de um esforço contínuo que, por sua vez, é o resultado
de uma vontade indomável de vencer. Para obter esta firmeza da vontade é essencial nunca
ceder, nem pouco, nem muito. Por isso a Legião impõe a todos os seus ramos e a todos os
seus membros, uma atitude firme que não combine com a aceitação de qualquer derrota ou
com a tendência que leve a qualificar este ou aquele pormenor do trabalho legionário com
os termos de “prometedor”, “pouco prometedor”, “desesperador”, etc. A facilidade de
classificar de “desesperador”, este ou aquele caso, acaba permitindo que uma alma de preço
infinito continue livre e desenfreadamente a sua corrida descuidada para o inferno. Além
disso, esse comportamento mostra que existe um desejo irresponsável de mudanças e de
progresso visível, que tende a substituir o motivo mais sublime do apostolado, por outro
menos elevado. E então a não ser que a semente brote debaixo dos pés do semeador, surge
o desânimo e cedo ou tarde o trabalho é abandonado.
Mais ainda: a Legião declara com insistência que o ato de classificar qualquer caso
de desesperado enfraquece automaticamente a atitude a assumir perante outros casos.
Consciente ou inconscientemente, iniciar-se-á qualquer trabalho com espírito de dúvida,
perguntando-nos se vale ou não o esforço a ser empregado. A menor sombra de dúvida
paralisa a ação. E o pior é que a fé deixará de atuar com a intensidade que se espera dela
nos empreendimentos da Legião, pois apenas se lhe permite modesta interferência, quando
alguma coisa parece razoável. Então a fé, bloqueada dessa maneira e barrada as suas
resoluções, apare-
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[Capítulo 4 Serviço Legionário página 17]
cerão imediatamente a timidez natural, a mesquinhez, a prudência do mundo, até ali
abafadas, e a Legião vai se encontrar diante de um serviço feito por acaso ou indiferente,
que constitui oferta vergonhosa, indigna do Céu.
Eis porque a Legião não se interessa senão secundariamente pelo programa de
trabalho; ela se preocupa em primeiro lugar, com a intensidade do ardor colocado na sua
realização. Não exige dos seus membros, riqueza ou influência, mas uma fé firme, não
exige grandes feitos, mas, unicamente um esforço que não esmoreça; não exige talento, mas
um amor que nunca se satisfaça; não exige uma força gigantesca, mas uma disciplina
contínua. O trabalho do legionário deve ser inflexível e firme, recusando-se sempre a
admitir qualquer desânimo. No momento da crise, deve ser uma rocha e em todos os
momentos, constante. Deve esperar o bom êxito de maneira humilde, mas nunca ser seu
escravo. Na luta contra os insucessos, deve ser um corajoso combatente, jamais
desanimando, colocando-se sempre acima das dificuldades e monotonias, porque elas lhe
oferecem ocasião de provar a sua energia e a sua fé. Pronto e resoluto, se o chamam;
sempre alerta, quando na reserva; e mesmo sem combate, sem inimigo à vista, sempre de
sentinela, pela causa de Deus. Com o coração cheio de ambições insaciáveis, mas contente
com a função humilde de tapar uma brecha; nenhum trabalho excessivo; nenhuma tarefa
desprezível demais; em tudo, a mesma cuidadosa atenção, a mesma paciência inesgotável, a
mesma coragem férrea; em cada tarefa a marca profunda da mesma firmeza inalterável.
Sempre a serviço do próximo, sempre à disposição dos fracos para os ajudar a atravessar as
horas difíceis de desânimo, sempre de guarda, à espera do momento em que surpreenda
naquele que até então teimava no erro, um sinal de sensibilidade; e sempre incansável à
procura dos transviados. Esquecido de si mesmo: permanecendo junto da cruz de seus
irmãos e não abandonando o seu posto, senão quando tudo estiver consumado.
Nunca o desânimo deve penetrar nas fileiras de uma associação consagrada à
“Virgem Fiel” e que – para honra ou desonra – usa o seu nome.
5
ESPIRITUALIDADE DA LEGIÃO
As orações da Legião refletem os princípios básicos da sua espiritualidade. A
Legião alicerça-se, em primeiro lugar, numa
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[Capítulo 5 Espiritualidade da Legião página 18]
inabalável Fé em Deus e no amor que Ele dedica a Seus filhos, de cujos esforços quer tirar
motivo de glória. Por isso, deseja Deus purificá-los e torná-los fecundos e duradouros.
Quando nos deixamos dominar pela indiferença ou por uma ansiedade febril, é porque
pensamos que Ele não passa de mero espectador do nosso trabalho. Deveríamos antes
tomar consciência de que, se as boas intenções brotam em nós, é porque Ele aí as semeou e
só frutificarão, se a sua virtude nos amparar a todo o momento. Deus se preocupa mais com
o bom êxito do nosso trabalho do que nós próprios: esta ou aquela conversão, em que nos
empenhamos, deseja-a Ele infinitamente mais do que nós. Queremos ser santos? Por isso,
suspira Ele mil vezes mais do que nós mesmos.
A convicção da colaboração onipotente de Deus, bondoso Pai, no trabalho da
santificação pessoal e no serviço a favor do próximo, deve constituir o apoio fundamental
para os legionários. No caminho do bom êxito, só pode haver um obstáculo: a falta de
confiança. Tenhamos fé bastante e Deus se servirá de nós para conquistar o mundo.
“Porque todo aquele que nasceu de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que
vence o mundo, a nossa fé” (1Jo 5, 4).
Acreditar quer dizer “abandonar-se” à própria verdade da palavra de Deus vivo,
sabendo e reconhecendo humildemente “quanto são impenetráveis os seus desígnios e
desconhecidos os seus caminhos” (Rm 11, 33). Pela eterna vontade do Altíssimo, veio
Maria a encontrar-se, por assim dizer, no próprio centro dos “desconhecidos caminhos” e
dos “impenetráveis desígnios” de Deus e conforma-se a eles na obscuridade da fé,
aceitando plenamente e com o coração aberto, tudo quanto é disposição dos desígnios
divinos (RMat. 14).
1. Deus e Maria
Abaixo de Deus, é sobre a devoção a Maria, “maravilha inefável do Altíssimo” (Pio
IX), que a Legião se fundamenta. Mas qual a posição de Maria em relação a Deus? Como
todos os mortais foi tirada do nada; e embora Deus a sublimasse a um “estado de graça
imenso e inconcebível”, diante do Criador Ela não passa do nada. Na verdade ela é, por
excelência, a Sua criatura porque Ele a trabalhou mais que nenhuma outra. Quanto mais
Deus opera maravilhas em Maria, tanto mais Ela se torna obra das Suas mãos.
Que grandes prodígios não realizou em seu favor!
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[Capítulo 5 Espiritualidade da Legião página 19]
Com a idéia do Redentor, ela esteve presente no pensamento de Deus desde toda a
eternidade. Associou-a aos secretos desígnios dos Seus planos de graça, tornando-a a
verdadeira Mãe do Seu filho e daqueles que a Seu Filho estão unidos. Fez todas estas coisas
porque, em primeiro lugar, Ele receberia de Maria, um ganho superior ao de todas as
criaturas reunidas; e ainda porque estava, no Seu plano, de maneira inatingível às nossas
pobres inteligências, aumentar por este meio, a glória que de nós próprios havia de receber.
Assim, a oração e o serviço amoroso com que testemunhamos a nossa gratidão a Maria,
nossa Mãe e auxiliadora da nossa salvação, não podem representar prejuízo para Aquele
que assim a criou. O que damos a Maria não vai menos direta e inteiramente para Ele; não
apenas é transmitido na sua integridade, mas acrescentado com os méritos da intermediária.
Maria é mais do que uma fiel mensageira. Constituída por Deus, elemento vital do Seu
plano de misericórdia, a sua presença acrescenta ao mesmo tempo, a glória de Deus e a
nossa graça.
Assim como foi do agrado do eterno Pai receber por intermédio de Maria, as
homenagens que Lhe são dirigidas, assim se dignou, por Sua grande misericórdia, escolher
Maria para ser o canal pelo qual serão derramadas sobre a humanidade as diversas
demonstrações da Sua onipotência e generosa bondade, começando pela causa de todas elas
– a segunda Pessoa divina, encarnada, nossa verdadeira vida, nossa única salvação.
“Se quero tornar-me dependente da Mãe é para me tornar o escravo do Filho. Se
desejo tornar-me sua propriedade é para prestar a Deus com mais segurança, a
homenagem da minha sujeição” (Sto. Ildefonso).
2. Maria, Medianeira de todas as graças
A confiança da Legião em Maria é ilimitada, porque sabe que, por decreto divino, o
seu poder não tem limite. Deus deu a Maria tudo quanto lhe podia dar. Tudo o que ela
podia receber, recebeu-o plenamente. Deus constituiu-a para nós um meio extraordinário de
graça. Atuando em união com ela, aproximamo-nos mais de Deus; e por isso adquirimos
mais abundantes graças, visto nos colocarmos na própria corrente da graça, pois Maria é a
esposa do Espírito Santo, o canal de todas as graças merecidas por Jesus Cristo. Nada
recebemos que não devamos a uma positiva intercessão da sua parte. Não se contenta com
transmitir-
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[Capítulo 5 Espiritualidade da Legião página 20]
nos tudo: tudo nos obtém. Penetrada de uma fé viva nesta função medianeira de Maria, a
Legião impõe-na aos seus membros como uma devoção especial.
“Julgai com que amor ardente quererá Deus que honremos Maria, pois derramou
nela a plenitude dos Seus dons, de tal sorte que tudo que possuímos, esperança, graça,
salvação, tudo, – não duvidemos disso – tudo vem dela para nós” (S. Bernardo: Sermo de
Aquaeductu).
3. Maria Imaculada
O segundo aspecto da devoção da Legião a Maria é o culto da Imaculada
Conceição. Logo na primeira reunião os membros rezaram e deliberaram em volta de um
altarzinho da Imaculada Conceição, idêntico àquele que hoje forma o centro de todas as
reuniões legionárias. Além disso o primeiro sopro de vida da Legião foi uma jaculatória em
honra desse privilégio de Nossa Senhora, que constitui a preparação para todas as
dignidades e privilégios que depois lhe foram concedidos.
Deus já tinha se referido à Imaculada Conceição, quando, no Gênesis, nos prometeu
Maria. Este privilégio faz parte integrante de Maria: Maria é a Imaculada Conceição. Com
este privilégio, a Sagrada Escritura anuncia as suas celestes conseqüências: a Maternidade
Divina de Maria, o esmagamento da cabeça da Serpente, pela Redenção e, em relação aos
homens, a Sua Maternidade espiritual.
“Eu porei inimizade entre ti e a mulher e entre a tua descendência e a dela: ela te
esmagará a cabeça ao tentares mordê-la no calcanhar” (Gn 3, 15). É nestas palavras
dirigidas pelo Onipotente a Satanás, que a Legião procura e encontra a confiança e a força
na guerra contra o pecado. Ela aspira, por isso, de todo o coração, a tornar-se plenamente a
descendência eleita de Maria, porque só assim terá o penhor da vitória: quanto mais os seus
membros se tornarem verdadeiros filhos da Imaculada, tanto mais aumentará a sua
hostilidade contra as potências do inferno e tanto mais completa será a sua vitória.
“A Sagrada Escritura, no Velho e no Novo Testamento e a venerável Tradição,
mostram, de modo progressivamente mais claro, e de certa forma nos apresentam o papel
da Mãe do Salvador na economia da salvação. Os livros do Antigo Testamento descrevem
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[Capítulo 5 Espiritualidade da Legião página 21]
a história da salvação, na qual se vai preparando lentamente a vinda de Cristo, ao mundo.
Esses antigos documentos, tais como são lidos na Igreja e interpretados à luz da plena
revelação posterior, vão pondo cada vez mais em evidência a figura de uma mulher, a Mãe
do Redentor. Vista sob esta luz, Maria encontra-se já profeticamente delineada na
promessa da vitória sobre a serpente (cfr. Gn 3, 15), feita aos primeiros pais caídos no
pecado” (LG 55).
4. Maria, nossa Mãe
Se pretendemos a herança de filhos, devemos estimar a maternidade que nos dá
direito a ela. O terceiro aspecto da devoção a Maria consiste em honrá-la como nossa
verdadeira Mãe, que de fato o é.
Maria tornou-se a Mãe de Jesus Cristo e nossa Mãe no momento em que,
respondendo à saudação do Anjo, exprimiu o seu humilde consentimento: “Eis aqui a
escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). A sua maternidade
foi proclamada, no momento em que atingiu a sua completa expansão, isto é, quando a
Redenção se consumava. No meio das dores do Calvário disse-lhe Jesus do alto da Cruz:
“Mulher, eis aí o teu filho” e a S. João: “Eis aí a tua Mãe” (Jo 19, 26-27). Na pessoa de S.
João, estas palavras foram dirigidas a todos os eleitos. Cooperando plenamente pelo seu
consentimento e pelas suas dores neste nascimento espiritual da humanidade, Maria
tornava-se no mais pleno e perfeito sentido, nossa Mãe.
Visto que somos seus verdadeiros filhos, devemos nos comportar como tais e, como
autênticas criancinhas, depender inteiramente dela. Devemos pedir-lhe que nos alimente,
nos guie, nos instrua, cure os nossos males, console as nossas mágoas, nos aconselhe nas
dúvidas e nos chame quando nos extraviarmos; de maneira que, inteiramente entregues aos
seus cuidados, cresçamos na semelhança do nosso irmão mais velho, Jesus, e participemos
da sua missão de combate e vitória sobre o pecado.
“Maria é Mãe da Igreja não só por ser Mãe de Jesus Cristo e a sua mais íntima
colaboradora ‘na nova Economia, quando o Filho de Deus assume dela a natureza
humana, para, mediante os mistérios da sua carne, libertar o homem do pecado’, mas
também porque ‘brilha para toda a comunidade dos eleitos, como modelo de virtude’.
Como, na verdade, cada mãe humana não pode limitar a sua
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[Capítulo 5 Espiritualidade da Legião página 22]
missão à geração de um novo homem, mas deve alargá-la à nutrição e à educação dos
filhos, também assim se comporta a bem-aventurada Virgem Maria. Depois de ter
participado do sacrifício redentor do Filho, e de maneira tão íntima que lhe fez merecer
ser por ele proclamada Mãe não só do discípulo João, mas – seja consentido afirmá-lo –
do gênero humano, por este de algum modo representado, Ela continua agora no céu a
cumprir a sua função materna de cooperadora no nascimento e no desenvolvimento da
vida divina em cada alma dos homens remidos. Esta é uma consoladora verdade que, por
livre consentimento do sapientíssimo Deus, faz parte integrante do mistério da salvação
humana: por isso ele deve ser considerada como de fé por todos os cristãos” (SM).
5. A devoção legionária, raiz do seu apostolado
Um dos mais queridos deveres da Legião consistirá em manifestar uma sincera
devoção à Mãe de Deus. Isso só poderá ser realizado por intermédio dos seus membros,
estando pois cada um deles obrigado a trabalhar nesse sentido, através de sérias meditações
e zelosas práticas.
Ora, para que esta devoção seja, em verdade, um tributo da Legião, deve constituir
uma obrigação essencial para a qual devem concorrer todos em perfeita unidade –
obrigação tão importante como a da reunião semanal ou a do apostolado: eis aqui um ponto
em que nunca será demais insistir.
Mas esta unidade é extremamente delicada, pois depende, dentro de certa medida,
da colaboração de cada membro, que pode infelizmente comprometê-la. Compete a cada
um o dever de velar cuidadosamente por ela. Se esta unidade falhar, se os legionários não
forem como que “pedras vivas de uma construção, um edifício espiritual” (1Pd 2, 5), uma
parte vital da estrutura da Legião será mutilada. Se as pedras vivas não se assentarem de
maneira conveniente, o sistema legionário caminhará para a ruína e não abrigará nem
conseguirá reter os seus filhos, senão com dificuldade. E não será mais aquilo para o que
foi criado: um lar de nobres e santas virtudes, um ponto de partida para decisões heróicas.
Ao contrário, se todos formarem um bloco no cumprimento perfeito deste dever do
serviço legionário, não só a Legião se distinguirá entre todas as organizações pela sua
elevada devoção a Maria, mas se distinguirá também por uma maravi-
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[Capítulo 5 Espiritualidade da Legião página 23]
lhosa unidade de espírito, de fim e de ação. Esta unidade é tão preciosa aos olhos de Deus
que a revestiu de um irresistível poder. Se, para o indivíduo, a verdadeira devoção a Maria
é um canal extraordinário de graça, que não será ela para uma organização que persevera,
num mesmo espírito, em oração, com aquela (At 1, 14) que tudo recebeu de Deus; que
participa do seu espírito e entra plenamente nos desígnios divinos no que respeita à
distribuição da graça?! Por acaso tal organização não será cheia do Espírito Santo? (At 2,
4). E de quantos “prodígios e milagres” não será capaz? (At 2, 43).
“A Virgem no Cenáculo, orando no meio dos Apóstolos e por eles, com uma
intensidade indizível, atrai sobre a Igreja este tesouro, que nela abundará por todo o
sempre: a plenitude do Espírito Consolador; dom supremo de Cristo” (JSE).
6. Oh! Se Maria fosse conhecida!
Ao sacerdote que luta quase desesperado num mar de indiferença religiosa,
recomendamos as palavras do Padre Faber, encontradas no prefácio de “A Verdadeira
Devoção a Maria” (fonte abundante de inspiração para a Legião), da autoria de S. Luís de
Montfort. Esta página poderá servir de preparação para o exame das vantagens e benefícios
que lhe podem advir da Legião. O Padre Faber afirma, em síntese, que Maria não é
suficientemente conhecida e amada, com grave prejuízo para as almas: – “A devoção que
se lhe consagra é pequena, magra e pobre. Não confia em si própria. Por isso Jesus não é
amado, os hereges não são convertidos, a Igreja não é exaltada; por isso, as almas que
poderiam ser santas enfraquecem e degeneram; os sacramentos não são devidamente
freqüentados; as almas não são evangelizadas com ardente zelo apostólico. Jesus é pouco
conhecido, porque Maria é posta em segundo plano. Milhares de almas se perdem, porque
Maria lhes é recusada. E esta sombra miserável e indigna, a que ousamos chamar a devoção
à Virgem Santíssima, é a causa de todas estas misérias e prejuízos, males e omissões e
fraquezas. Todavia, se tomarmos em devida consideração as revelações dos Santos, Deus
insiste por uma devoção à Sua Mãe Santíssima, maior, mais larga, mais vigorosa,
totalmente outra. Que alguém experimente esta devoção em si próprio, e a surpresa perante
as graças que ela traz consigo e
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[Capítulo 5 Espiritualidade da Legião página 24]
as transformações que produz na alma, vão convencê-lo da sua quase incrível eficácia como
meio de obter a salvação dos homens e a chegada do Reinado de Jesus Cristo”.
“À Virgem poderosa é dado o poder de esmagar a cabeça da Serpente; às almas
unidas a ela, é dado vencer o pecado. Devemos crer nisto com inabalável fé, com uma
firme esperança”.
Deus que nos dar tudo; tudo depende agora de nós e de ti, por quem tudo é
recebido e economizado, por quem tudo é transmitido, ó Mãe de Deus! Tudo depende da
união dos homens com aquela, a quem Deus tudo confia” (Gratry).
7. Levar Maria ao mundo
Visto que a devoção a Maria realiza tais prodígios, a nossa preocupação deve
consistir em tornar fecundo, semelhante instrumento; numa palavra, deve consistir em levar
Maria ao mundo. Como conseguir isto com mais eficiência, senão por uma organização de
apostolado? Uma organização leiga e, portanto ilimitada, quanto ao número dos seus
membros; uma organização ativa, podendo por isso penetrar em toda parte, uma
organização que ama Maria, com todas as forças e que se compromete a infundir esse amor
em todos os corações, utilizando para isso todos os meios de ação.
Assim, usando o nome de Maria, com valor indizível, baseada numa confiança
ilimitada e filial na sua Rainha, tornada mais sólida e firme pelo enraizamento profundo no
coração de cada um, constituída por membros que trabalham em perfeita harmonia de
lealdade e disciplina – a Legião de Maria não considera presunção, antes confiança
legítima, o pensar que o seu sistema forma um poderoso mecanismo que, para envolver o
mundo, exige apenas ser acionado pela mão da Autoridade. Maria se dignará então
empregá-la como instrumento, para realizar nas almas, a sua obra maternal e levar avante a
sua perpétua missão de esmagar a cabeça da serpente.
“Todo aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão e minha irmã e minha
mãe” (Mc 3, 35). “Que prodígio e que honra! A que sublimidade de glória Jesus nos
eleva! As mulheres proclamam bem-aventurada aquela que O deu à luz; e, todavia, nada
as impede de participarem da mesma maternidade. É que o Evangelho nos fala aqui de
uma nova forma de geração, de um novo parentesco” (S. João Crisóstomo).
24
[página 25]
6
OS DEVERES DOS LEGIONÁRIOS PARA COM MARIA
1. Cada legionário terá, para com Maria, uma profunda devoção,
incessantemente renovada por sérias meditações e zelosas práticas. Deve considerar
esta devoção como um dos deveres legionários essenciais e, de todos, o mais
importante. (Cf. Cap. 5: Espiritualidade da Legião, e Apêndice 5: Confraria de Maria,
Rainha dos Corações).
A Legião tem o propósito de levar Maria ao mundo, porque considera este objetivo
a forma infalível de ganhar o mundo para Jesus Cristo.
É evidente que o legionário que não tem Maria no coração, não pode participar da
Sua obra. Está divorciado da finalidade da Legião. É um soldado desarmado, um elo
partido, ou antes um braço paralisado – unido embora ao resto do corpo – mas sem ação,
inútil para o trabalho.
A grande preocupação de todos os exércitos (e portanto da Legião) é a união dos
soldados com o chefe, de maneira que o plano deste seja executado por todos prontamente.
O exército age como um só homem. A isto, tende o mecanismo complicado dos exercícios
de combate e a sua disciplina. Encontra-se, além disso, nos soldados de todos os grandes
exércitos da história, uma dedicação apaixonada pelo seu chefe, paixão que tornava mais
íntima a união entre eles e facilitava a aceitação dos sacrifícios exigidos pela execução do
plano de combate. De tal chefe se poderia dizer que ele era a inspiração e a alma dos
soldados, que vivia em seus corações, formando um só com todos os seus homens. Assim
se explica a influência que exercia sobre os soldados; e isto, em certa medida, corresponde
à verdade.
Esta união, porém, por mais perfeita que seja, não passa de sentimental ou
mecânica. A relação entre o cristão e Maria, sua Mãe, não é assim. Dizer que Maria está na
alma do legionário fiel seria exprimir uma união infinitamente menos real do que a
existente de fato. A Igreja resume a natureza desta união nos louvores que tece a Maria,
chamando-a “Mãe da Divina Graça”, “Medianeira de Todas as Graças”. Estes louvores
exprimem um tão perfeito império sobre a vida da alma, que a mais estreita das uniões
terrenas – a da mãe com o filho por nascer – seria ainda imperfeita para exprimir esta
intimidade. Há, porém, fenômenos naturais
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[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 26]
que nos podem ajudar a compreender o lugar de Maria na distribuição da graça. O sangue,
só pelo pulsar do coração, leva a vida a todo o corpo; os olhos são o meio necessário para
nos comunicarmos com o mundo visível; a ave, mesmo batendo as asas, não pode elevar-se
para o céu sem que o ar a sustenha. Da mesma maneira, de acordo com o plano divino, a
alma, sem Maria, não pode voar até Deus ou realizar qualquer obra divina.
Esta dependência de Maria não é uma criação do sentimento ou da razão, é uma
realidade cuja existência depende do plano divino e não da nossa inteligência. Existe,
mesmo que não a conheçamos; mas pode e deve ser fortemente fortalecida pela nossa
aceitação consciente. Da nossa união íntima com Maria, a quem S. Boaventura chama
dispenseira do sangue do Senhor, hão de resultar maravilhas de santificação e uma fonte
incrível de influência sobre as almas. Aquelas, a quem o ouro simples do apostolado não
conseguir libertar do pecado, serão salvas, logo que Maria enfeite o ouro, com as jóias do
Preciosíssimo Sangue, do qual dispõe livremente.
Comecemos, para isso, por nos consagrar fervorosamente a Maria; renovemos
freqüentemente esta consagração por meio de uma fórmula breve que a resuma, tal como:
“Eu sou todo vosso, ó minha Rainha e minha Mãe, e tudo quanto tenho vos pertence”.
Que a alma ponha em prática, de maneira tão viva como contínua, o pensamento da
influência constante de Maria na sua vida, que dela se possa dizer: “Assim como o corpo
respira o ar, assim a alma respira Maria” (S. Luís Maria de Montfort).
Na Santa Missa, na sagrada comunhão, na adoração do Santíssimo, na reza do terço,
na prática da via-sacra e de outras devoções, a alma legionária deve procurar identificar-se
com Maria e meditar com Ela nos augustos mistérios da Redenção. É que esta Mãe, acima
de tudo fiel, viveu estes mistérios com o Divino Salvador e neles desempenhou papel
indispensável.
Imite-a e agradeça-lhe com ternura; alegre-se e entristeça-se com ela; consagre-lhe o
que Dante chama de “longo estudo e o grande amor do seu coração”; esquecendo-se de si
mesmo e dos seus recursos, fixe nela o seu pensamento durante a oração, no trabalho e em
todos os atos da sua vida espiritual. Se assim proceder, o legionário encher-se-á de tal modo
da imagem e do pensamento de Maria, que formará com ela uma só alma. Perdido assim na
profundidade da alma da Mãe de Deus, o legionário partilhará da sua fé, da sua humildade e
da pureza do seu Coração Imaculado e, conseqüentemente, do seu poder de oração; e
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[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 27]
há de transformar-se, com rapidez, em Cristo, objetivo supremo da vida de todos. Por outro
lado, no seu legionário e por meio dele, Maria participa de todos os deveres legionários e
ainda dispensa às almas, os seus cuidados maternais, de tal modo que em cada uma das
almas, a quem o legionário se dedica e nos seus companheiros de trabalho, não só é vista e
servida a pessoa do Nosso Senhor, mas é vista e servida através de Maria, com o mesmo
amor primoroso e o mesmo maternal cuidado que outrora, ela consagrou ao corpo de seu
Divino Filho.
Quando os seus membros se tornarem assim, cópias vivas de Maria, a Legião pode
considerar-se, de verdade, Legião de Maria, cooperadora da sua missão e certa de que com
ela vai triunfar. A Legião há de dar Maria ao Mundo, e esta há de iluminá-lo e inflamá-lo
no mais ardente amor.
“Vivei alegremente com Maria, com ela suportai todas as aflições; trabalhai,
recreai-vos e descansai com ela. Com ela procurai Jesus, levai-O em vossos braços; e,
com Jesus e Maria, fixai a vossa residência em Nazaré. Ide com ela a Jerusalém, ficai
junto da Cruz de Jesus, e sepultai-vos com Ele. Com Jesus e Maria ressuscitai e com Eles
subi ao Céu. Com Jesus e Maria, vivei e morrei” (Tomás de Kempis: Sermão aos Noviços).
2. A imitação da humildade de Maria: raiz e instrumento da ação legionária
A Legião fala aos seus membros, uma linguagem que respira o ardor das batalhas. E
com razão. Ela é o instrumento e a ação visível de Maria, que é como um exército em
ordem de batalha, e que trava uma luta intensa pela salvação de cada ser humano. Além
disso, a idéia de exército impressiona poderosamente as pessoas. O fato de o legionário se
considerar soldado, o levará a cumprir, com uma seriedade militar, todos os seus deveres.
Mas, como a luta, em que andam empenhados os legionários, não é deste mundo, devem
travá-la conforme a tática do Céu. O fogo que arde nos corações dos verdadeiros
legionários, brota sempre das cinzas, de qualidades modestas e desapreciadas pelo mundo;
e, entre estas, ocupa lugar de destaque a virtude da humildade, tão incompreendida e
desprezada e, todavia, fonte de nobreza e energia inconfundíveis para todos os que a
procuram e praticam.
Na organização legionária, a humildade desempenha um papel único.
Primeiramente, é um instrumento essencial ao apostolado. A realização e o progresso do
contato pessoal, em
27
[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 28]
que a Legião fundamenta o seu trabalho, em tão larga escala, exige operários de maneiras
delicadas e modestas, qualidades que só podem brotar da verdadeira humildade de coração.
Mas a humildade é, para a Legião, mais do que instrumento da sua ação externa: é a origem
dessa ação. Sem humildade não pode haver ação legionária eficaz.
Jesus Cristo, diz S. Tomás de Aquino, recomendou-nos acima de tudo, a humildade,
porque afasta o principal obstáculo à salvação dos homens. Todas as outras virtudes
derivam dela o seu próprio valor. Só à humildade é que Deus concede os Seus favores,
retirando-os logo que ela murcha e desaparece. A Encarnação, fonte de todas as graças,
dependeu da humildade. Maria declara no Magnificat que Deus manifestou n’Ela o poder
do Seu braço, isto é, exerceu n’Ela a Sua onipotência. E expõe o motivo. Foi a humildade
que atraiu os Seus olhares e O fez descer à terra, para acabar com o velho mundo e
inaugurar uma nova era.
Como poderá Maria ser modelo de humildade, se considerarmos que o seu grau de
perfeição não pode ser medido, é quase infinito e ela bem o sabia? Era humilde porque
sabia, também, que tinha sido remida mais perfeitamente que todos os filhos dos homens.
Todas as maravilhas da sua extraordinária santidade devia-as aos méritos de seu Filho; e
este pensamento vivia nela e nunca a largava. A sua inteligência sem par compreendia de
maneira perfeita que, assim como tinha recebido mais do que ninguém, como ninguém
estava em dívida para com Deus. Daí sua atitude de delicada e graciosa humildade, sem
esforço nem interrupção.
Na escola de Maria, o legionário aprenderá que a essência da verdadeira humildade
consiste em reconhecer com simplicidade, sem afetação, aquilo que realmente somos aos
olhos de Deus; e em compreender que, por nós, nada somos e nada temos. Tudo que existe
de bom em nós é puro dom de Deus: e este dom Ele pode aumentar, diminuir ou retirá-lo
completamente, com a mesma liberdade com que no-lo concedeu. O legionário há de
mostrar a sua sujeição, numa preferência evidente pelas tarefas humildes e pouco
desejadas; há de mostrar também preferência na prontidão em aceitar desprezos e repulsas
e, em geral, na maneira habitual de proceder, perante as manifestações da vontade de Deus,
que há de ser o reflexo daquelas palavras de Maria: “Eis aqui a escrava do Senhor!” (Lc 1,
38).
A necessária união do legionário com a sua Rainha exige dele, não só o desejo
profundo dessa união, mas a capacidade
28
[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 29]
para a mesma. Uma pessoa pode querer ser um bom soldado e, no entanto, não ter jamais as
qualidades necessárias que possam fazer dela um bom dente de engrenagem na máquina
militar. Resultado: a união deste homem com o General é ineficaz, e impede a execução
dos planos militares. De maneira semelhante, o legionário pode desejar ardentemente
desempenhar uma parte importante nos planos de campanha da sua Rainha, mas ser,
todavia, incapaz de receber o que Maria ardentemente deseja dar-lhe. No caso militar, a
deficiência provém da falta de coragem, de inteligência, de aptidão física e de qualidades
semelhantes. No legionário, a incapacidade provém da falta de humildade. O objetivo da
Legião é a santificação dos seus membros e a irradiação dessa santidade sobre as almas.
Ora, não pode haver santidade sem humildade. Além disso, a Legião exerce o seu
apostolado com Maria e por Maria. Se não nos assemelharmos a Maria, em certa medida,
não poderemos unir-nos a ela, e fraca será a semelhança, se lhe faltar a virtude
característica da humildade. Se a união com Maria é a condição básica, indispensável, a
raiz, por assim dizer, da ação legionária, então a humildade é o solo onde esta união deve
mergulhar as suas raízes. Se o solo é pobre e árido, a vida legionária murcha e morre.
Segue-se, pois, que a batalha da Legião começa no coração de cada legionário. Este
tem de travar combate consigo mesmo, esmagando decididamente o espírito de orgulho e
de egoísmo.
Como é cansativa esta terrível batalha contra a raiz do mal que se encontra dentro de
nós, e este constante esforço para atingir em tudo, a pureza de intenção! É a batalha de toda
a vida. A confiança nos próprios esforços inutiliza a vida inteira, porque o “eu” infiltra-se
mesmo nos combates contra si mesmo. De que valerão as próprias forças ao infeliz que se
debate na areia movediça? É necessário um ponto de apoio firme.
Legionário, o seu sólido apoio é Maria. Firme-se nela com inteira confiança. Ela
não lhe faltará, porque, está na humildade que lhe é indispensável. A prática fiel do espírito
de dependência de Maria é o caminho real, simples e amplo da humildade, denominado por
S. Luís de Montfort, “segredo da graça, por poucos conhecido, capaz de rapidamente e com
um esforço mínimo nos esvaziar de nós mesmos, nos encher de Deus e nos tornar
perfeitos”.
Medite esta verdade! O legionário, voltando-se para Maria, deve necessariamente
virar as costas a si mesmo. Maria apodera-se deste movimento, elevar-o e torna-o
instrumento sobrenatural de morte para o “eu”, cumprindo-se assim a severa, mas produtiva
29
[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 30]
lei da vida cristã (Jo 12, 24-25). O calcanhar da humilde Virgem esmaga a serpente do
amor próprio, com as suas múltiplas cabeças, que são:
a) A exaltação de si mesmo: é que, se Maria, tão rica em perfeições, a ponto de ser
chamada pela Igreja “Espelho de Justiça”, e dotada de ilimitado poder no reino da graça, se
ajoelha, no entanto, como a mais humilde serva do Senhor, qual não deve ser o lugar e a
atitude do legionário?
b) O egoísmo: porque tendo-se dado a Maria com todos os seus bens, espirituais e
temporais, para que deles disponha como for do seu agrado, o legionário continua, no
entanto, a servi-la com o mesmo espírito de completa generosidade.
c) A auto-suficiência: porque o hábito de se apoiar em Maria leva inevitavelmente
à desconfiança das próprias forças.
d) A elevada idéia que faz de si mesmo: porque o sentido da colaboração com
Maria lhe traz a compreensão da sua própria incapacidade. A contribuição do legionário
resume-se em lamentáveis fraquezas!
e) O amor próprio: com efeito, que achará em si mesmo digno de estima? O
legionário, absorvido no amor e na admiração da sua Rainha, sente-se pouco inclinado a
afastar-se dela para se contemplar a si próprio.
f) A admiração por si mesmo: porque, nesta aliança com Maria, devem prevalecer
os mais altos ideais. O legionário modela-se por Maria e anseia pela sua perfeita pureza de
intenção.
g) O próprio progresso: pensando como Maria, o legionário se ocupará só de
Deus. Não há lugar para projetos fomentadores de orgulho ou desejo de recompensa.
h) A vontade própria: totalmente sujeito a Maria, o legionário desconfia dos
incentivos das próprias inclinações e escuta atento as inspirações da graça.
No legionário que se esquece verdadeiramente de si mesmo, Maria não encontra
obstáculo à Sua maternal influência. Despertará nele, energias e disposições para o
sacrifício, que vão além das forças da natureza e fará dele um bom soldado de Cristo (2Tm
2, 3), preparado para o árduo serviço que a sua profissão exige.
“Deus alegra-se em trabalhar com o nada. Foi do nada que Ele criou todas as
coisas, reveladoras do Seu poder infinito. Devemos ser imensamente zelosos da glória de
Deus, mas convencidos, ao mesmo tempo, da nossa incapacidade em promovê-la.
Afundemo-nos no abismo da nossa indignidade, refugiemo-nos na sombra espessa da
nossa baixeza; esperemos calmamente que Deus se digne
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[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 31]
servir-se dos nossos esforços, como instrumentos da Sua glória. Para isso, lançará mão de
meios completamente opostos àqueles que somos levados a esperar. Depois de Jesus
Cristo, ninguém contribuiu mais para a glória de Deus, do que Maria; e, todavia, o único
objeto de seus pensamentos era o aniquilamento próprio. A sua humildade parece que
deveria constituir um obstáculo aos desígnios de Deus mas foi precisamente esta
humildade que facilitou o seu cumprimento” (Grou: O interior de Jesus e Maria).
3. A genuína devoção a Maria obriga ao apostolado
Acentuamos em outra parte deste Manual que em Cristo, não podemos escolher o
que nos agrada: não podemos aceitar o Cristo glorioso sem aceitar também, na nossa vida,
o Cristo sofredor e perseguido. Só há um Cristo – e este indivisível. Temos de tomá-lO
como Ele é. Se procurarmos n’Ele a paz e a felicidade, talvez verifiquemos que nos
pregamos à Cruz. Os extremos tocam-se, sem separação possível: não há triunfo sem dor,
nem coroa sem espinhos, nem glória sem amargura, nem calvário sem cruz. Estendendo a
mão para colher um deles e vamos nos encontrar envolvidos ao mesmo tempo com o outro.
A Nossa Senhora aplica-se a mesma lei. Também não podemos dividir a sua vida
em partes, para que cada um escolha a que mais lhe agrada. É impossível acompanhá-la nas
suas alegrias, sem que o nosso coração se despedace com os seus sofrimentos.
Se quisermos, como S. João, o discípulo amado, trazê-la para nossa casa (Jo 19, 27),
terá de ser tal qual ela é, na sua integridade. Preferir somente uma fase da sua vida é
impossibilitar-se a recebê-la. A devoção a Maria, é claro, deve atender e procurar
reproduzir cada uma das facetas da sua personalidade e da sua missão. O interesse principal
não pode perder-se com o que é menos importante: considerá-la, por exemplo, como
modelo perfeito, cujas virtudes devemos imitar, é bom; mas, se a devoção se limita a uma
tal atitude, não passa de parcial e mesquinha. Não basta dirigir-lhe orações, mesmo que
sejam em grande quantidade. No basta tão pouco conhecer e alegrar-se com as
maravilhosas e inumeráveis atenções com que as Três Pessoas Divinas a rodearam e
colocaram sobre ela, tornando-a assim, um reflexo das suas próprias qualidades. Tais
homenagens pertencem-lhe de direito e lhe devem ser prestadas mas são, apenas, parte do
todo. A devoção perfeita à mãe de Deus só se alcança pela união com ela. União significa
necessariamente comunhão de vida com ela, e a
31
[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 32]
sua vida não se resume na preocupação com as homenagens de admiração, mas na
comunicação da graça.
A maternidade – primeiro de Cristo, depois, dos homens – foi a única razão de ser
da sua vida e do seu destino. Para tal fim foi criada e preparada pela Santíssima Trindade,
após deliberação eterna, como nota S. Agostinho. Assumiu sua admirável missão no dia da
Anunciação, e desde então tem sido Mãe atenciosíssima no cumprimento dos seus deveres
domésticos. Restringiram-se eles por algum tempo a Nazaré, mas em breve, o pequeno lar
tornou-se o mundo inteiro, e seu Filho, o gênero humano. O seu zelo não diminuiu: a todos
os instantes o seu trabalho doméstico prossegue e nada se pode fazer sem ela, nesta Nazaré
imensa. Qualquer cuidado que nós pudermos dispensar ao Corpo Místico de Cristo é apenas
um complemento aos cuidados que ela mesma lhe dedica. O apóstolo não faz mais do que
associar-se às atividades maternais de Maria. E neste sentido Nossa Senhora poderia
declarar: “Eu sou o Apostolado”, à semelhança do que outrora disse em Lurdes: “Eu sou a
Imaculada Conceição”.
Sendo a maternidade das almas a sua função essencial, a sua verdadeira vida, seguese
que, sem participação nesta maternidade, não pode haver união real com ela. Seja-nos
permitido, por conseqüência, declarar mais uma vez: a autêntica devoção a Maria conduz
necessariamente ao apostolado. Maria sem maternidade e cristão sem apostolado são idéias
semelhantes: tanto uma como a outra seriam incompletas, irreais, inconsistentes e falsas,
para as intenções divinas.
A Legião não se baseia, portanto, como alguns pretendem, sobre dois princípios, Maria e o
Apostolado, mas sobre um só princípio – Maria – o qual abrange, por si só, o apostolado e
toda a vida cristã.
De boas intenções, diz o provérbio, o inferno está cheio. Elas de nada valem, se não
nos moverem a uma atitude positiva, na vida. E isso pode acontecer com o oferecimento
dos nossos trabalhos a Maria, se eles ficarem num compromisso só de palavras. Não se
pense que as obrigações apostólicas hão de descer do céu, para pousarem de modo
ostensivo sobre aqueles que se contentam em esperar, passivamente, os acontecimentos. É
de se recear que semelhantes preguiçosos continuem indefinidamente no desemprego. O
único meio eficaz de nos oferecermos a Maria como apóstolos é fazer apostolado. Dado
este passo, Maria empolga a nossa atividade e incorpora-a na sua maternidade espiritual.
Acresce ainda que Maria não pode realizar a sua obra maternal sem este auxílio.
Não irá longe demais esta afirmação?
32
[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 33]
Como pode a Virgem poderosa depender da ajuda de pessoas tão fracas? No entanto, é
verdade. A colaboração humana é um elemento necessário no plano divino; Deus só salva o
homem pelo homem. Os tesouros de graça de Maria são superabundantes, mas não os
distribuirá sem o nosso auxílio. Pudesse ela dispor do seu poder, conforme os desejos
profundos do seu coração e o mundo se converteria rapidamente, num relance. Mas não!
Tem de esperar que os homens se disponham a servi-la. Sem eles, não pode cumprir a sua
maternidade espiritual, e as almas definham e morrem. Por isso, ela acolhe, com viva ânsia,
e utiliza quantos se coloquem realmente ao seu dispor: não só os santos e competentes, mas
até os enfermos e os incapazes. É tal a necessidade, que ninguém será rejeitado. Mesmo os
mais pequenos podem ser transmissores do seu poder; e, com os melhores, que maravilhas
não poderá fazer? Lembrem-se sempre desta imagem singela: vejam como o sol atravessa
deslumbrante a janela límpida, e, como luta para atravessá-la, quando a encontra suja, para
deixar passar um pouquinho de luz. Assim é com as almas.
“Jesus e Maria, eis o novo Adão e a nova Eva, a quem a árvore da cruz uniu na dor
e no amor, para reparar a falta cometida no Paraíso pelos nossos primeiros pais. Jesus é a
fonte e Maria o canal das graças, pelas quais renascemos e podemos reconquistar o nosso
lar celeste. Bendigamos, juntamente com o Senhor, Aquela que Ele elevou à dignidade de
Mãe de misericórdia, nossa Rainha, nossa Mãe amantíssima, Medianeira das Suas graças
e Despenseira dos Seus tesouros. O Filho de Deus coroou-a de glória radiante e deu-lhe a
majestade e o poder da Sua própria realeza. Unida ao Rei dos Mártires, como Mãe e
colaboradora na obra tremenda da Redenção da humana raça, a Ele permanece unida
para sempre, revestida de poder praticamente ilimitado, na distribuição das graças que
brotam da Redenção. O seu império tem a vastidão do império do Seu Filho; nada escapa
ao seu domínio” (Pio XII: Discursos de 21 de abril de 1940 e 13 de maio de 1945).
4. A intensidade do esforço no serviço de Maria
Em circunstância alguma, o espírito de dependência com relação a Maria deve
constituir motivo para alguém se desculpar da falta de esforço ou da falta de método. Deve
ser justamente o contrário. Porque trabalhamos com Maria e por ela, a nossa oferta
33
[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 34]
há de ser a mais excelente que se possa apresentar. Devemos trabalhar com energia,
destreza e primor.
De vez em quando, é preciso censurar certos núcleos ou membros, que parece não
desenvolverem esforço suficiente no cumprimento da sua tarefa semanal, ou nos trabalhos
de extensão ou recrutamento. Às vezes os interessados respondem: “Eu não conto com as
próprias forças! Confio inteiramente a Nossa Senhora o cuidado de levar avante a tarefa
imposta e colher, a seu modo, resultados satisfatórios”. Acontece muitas vezes que tal
resposta procede de pessoas fervorosas, que são levadas a atribuir uma espécie de virtude à
própria inatividade, como se método e esforço significassem uma fé mesquinha. Há
também o perigo de se pensar que, se nós somos instrumentos de um poder imenso, não
interessa muito o grau do nosso esforço. Alguém perguntará por que motivo deverá o pobre
sócio de um milionário, esgotar-se com a preocupação de ajuntar alguns magros reais, ao
fundo comum que já está tão enriquecido?
Torna-se necessário, por isso, insistir num princípio que deve dirigir a atitude do
legionário no seu trabalho. É este: os legionários não são nas mãos de Maria simples
instrumentos sem atividade própria. São verdadeiros cooperadores dela no enriquecimento
e resgate das almas. Nesta cooperação, cada um supre o que o outro não pode dar. O
legionário dá-se todo, ação e talentos; Maria dá-se a si mesma, com toda a sua pureza e
poder. Cada um é obrigado a contribuir, sem reserva, para a obra comum. Se o legionário se
entrega a esta colaboração com honra e generosidade, Maria nunca faltará. Podemos, por
isso, afirmar que o bom êxito do empreendimento depende inteiramente do legionário, de
maneira que este deve se dedicar a ele com toda a inteligência e com todas as forças,
aperfeiçoadas por um método cuidadoso e uma perseverança incansável.
Mesmo que soubéssemos que Maria obteria, independentemente do legionário, o
resultado suspirado, mesmo nesse caso, deveríamos desenvolver plenamente os nossos
esforços, como se tudo dependesse deles. Ao mesmo tempo que deposita uma ilimitada
confiança no auxílio de Maria, o esforço do legionário deve elevar-se sempre ao máximo. A
generosidade tem de igualar a sua confiança. O princípio da necessária e mútua influência,
entre a fé ilimitada e o esforço intenso e metódico, é expresso pelos santos, quando
declaram que devemos rezar como se tudo dependesse da oração e nada de nós próprios; e,
ao mesmo tempo, agir como se tudo dependesse absolutamente do nosso esforço.
Não devemos, pois, medir a quantidade do esforço pela dificuldade da tarefa, nem
nos perguntar qual o menor preço
34
[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 35]
para se obter o fim desejado. Mesmo nos negócios materiais, o hábito de regatear leva a
constantes reveses e ilusões. Em matéria sobrenatural, há de falhar sempre, porque afasta de
nós a graça, da qual depende realmente, o êxito dos nossos trabalhos. Além disso, os juízos
humanos não merecem inteira confiança: impossibilidades aparentes desaparecem logo que
são enfrentadas, ao passo que o fruto que está quase à altura da mão, mas teima em fugirlhe,
será talvez colhido por outra pessoa. Na ordem espiritual, a lei do menor esforço
precipita a alma de mesquinhez em mesquinhez, até cair finalmente na esterilidade total.
Para o legionário evitar tão desagradáveis conseqüências, só lhe resta um meio:
desenvolver em todas as tarefas, grandes ou pequenas, o máximo da sua energia. Talvez
não seja necessária tal soma de esforços. Pode ser que o toque de um dedo baste para levar
a obra ao fim; e, se fosse a realização da obra, o único objetivo, seria razoável e suficiente,
um leve esforço; mas não mais do que isso. Como diz Byron, ninguém levanta a clava de
Hércules para esmagar uma borboleta ou matar um mosquito.
Os legionários, porém, devem tomar consciência de que não é diretamente pelo bom
êxito que trabalham; mas, antes, por Maria, independentemente da facilidade ou dificuldade
da sua tarefa. A esta devem eles dar do melhor que possuem, quer ela seja notável ou
insignificante. Hão de merecer, assim, a plena cooperação de Maria, que não se negará a
realizar prodígios, se isso for preciso. O legionário não pode fazer grande coisa? Pois bem,
se nisso puser toda a sua alma, Maria virá em seu socorro, com todo o seu poder, dando a
um pequeno movimento, o efeito da força de gigante; e se, depois de haver feito quanto
pôde, o legionário se encontrar a mil léguas do bom êxito, ela encurtará a distância e a fará
desaparecer, alcançando pela sua colaboração, um resultado maravilhoso.
Mesmo que o legionário ponha em ação dez vezes mais de esforço do que o preciso
para realizar um trabalho, nada se perdeu. Não trabalha ele por Maria? Não é ele um
soldado ao serviço dos seus vastos desígnios, dos seus misericordiosos intentos? Maria há
de receber com júbilo, o excedente deste esforço, multiplicá-lo-á abundantemente, para
com ele, suprir as graves necessidades da família do Senhor. Nada do que entregamos à
cuidadosa dona de casa de Nazaré, é perdido.
Mas se, pelo contrário, a contribuição do legionário é lamentavelmente inferior
àquela que a sua Rainha tem direito de exigir dele, as mãos de Maria ficam como que
amarradas e por
35
[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 36]
isso, ficam impedidas de conceder generosamente os seus dons. O contrato de comunhão de
bens, tão cheio de inúmeras e excepcionais possibilidades, entre Maria e o legionário, é
anulado pela negligência, da qual este se torna culpado. E que triste perda, para as almas e
para si mesmo, ser abandonado às próprias forças!
Inútil, pois, procurar desculpas para justificar esforços insuficientes ou maneiras
desordenadas de agir, alegando inteira confiança em Maria. Muito fraca e desprezível deve
ser a confiança que leva o legionário a recuar, perante o uso razoável das suas energias.
Procura neste caso lançar aos ombros da sua Rainha o fardo que ele próprio pode levar.
Que cavaleiro da antiguidade teria servido tão estranhamente a sua dama?
Por isso, como se nada tivéssemos dito a este respeito, recordemos o princípio
fundamental da aliança do legionário com Maria: o legionário deve dar tudo quanto estiver
a seu alcance. A função de Maria não consiste em completar aquilo que o legionário se
recusa a fornecer. Ela não pode – a inconveniência é clara – dispensar o legionário do
esforço e do método no trabalho, da paciência e da reflexão, de que é capaz, e com a qual
tem obrigação de contribuir para o tesouro de Deus.
Maria deseja ardentemente dar, em grande quantidade, mas só pode agir assim, com
as almas generosas. Desejosa de que os legionários, seus filhos, possam extrair graças
preciosas das imensas riquezas do Seu coração, ela, usando as palavras do seu próprio
Filho, convida-os “a servir com todo o coração, com toda a alma, com toda a mente e com
todas as forças” (Mc 12, 30).
O legionário deve pretender unicamente de Maria que ela acrescente, purifique,
aperfeiçoe, sobrenaturalize a sua atividade natural, e faça com que os seus fracos esforços
sejam capazes de realizar aquilo que, aliás, lhe seria impossível: obras grandiosas em cuja
realização, se preciso for, se hão de cumprir as palavras da Escritura: os montes serão
arrancados e precipitados no mar, a terra será aplainada e os caminhos serão endireitados,
para se facilitar a entrada no reino de Deus.
“Todos nós somos servos inúteis, mas servimos um Mestre sumamente econômico
que tanto aproveita uma gota de suor da nossa fronte como uma gota de orvalho celeste.
Nada desperdiça.
Não sei a sorte deste livro, nem se chegarei ao fim dele ou se chegarei ao final
desta página. Sei, porém, o suficiente para empregar nele o resto das minhas forças e dos
meus dias” (Frederico Ozanam).
36
[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 37]
5. Os legionários devem praticar a Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem,
segundo São Luís Maria de Montfort
É para desejar que a prática da devoção mariana do legionário se revista daquela
característica, que São Luís Maria de Montfort ensinou sob o nome de “Verdadeira
Devoção” ou “Escravatura de Jesus em Maria”, e que resumiu nas suas obras: “Tratado da
Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem” e “O segredo de Maria” (Cf. Apêndice 5).
Esta devoção exige um contrato explícito com a Mãe de Deus, pelo qual nos
entregamos inteiramente a ela, com todos os nossos pensamentos, ações e bens, espirituais
e temporais, passados, presentes e futuros, não reservando para nós nem a mínima parcela.
Numa palavra, o doador coloca-se numa situação idêntica à do escravo, que nada possui de
seu, em total dependência e à inteira disposição de Maria.
Mas o escravo antigo era muito mais livre do que o escravo de Maria. O primeiro
era senhor dos seus pensamentos, da sua vida interior e, portanto, livre em tudo o que o
tocava de mais perto. A doação de nós mesmos a Maria abrange todas as coisas: cada um
dos pensamentos e movimentos da nossa alma, as nossas riquezas escondidas e o mais
íntimo do nosso ser. Tudo – até ao último suspiro – é entregue a Maria, para que o
empregue para a glória de Deus. O nosso sacrifício a Deus é uma espécie de martírio, com
Maria, servindo de altar. Assemelha-se ao sacrifício do próprio Cristo que, começado
também no seio de Maria, publicamente confirmado em seus braços no dia da
Apresentação, abrange todos os momentos da Sua vida e se completa no Calvário, na Cruz
do Coração de Maria.
A Verdadeira Devoção abre por um ato formal de Consagração; consiste, porém, e
principalmente em viver essa mesma consagração. Deve ser não um ato passageiro, mas um
estado habitual da nossa alma. Se Maria não tomar posse de toda a nossa vida e não só de
alguns minutos ou de algumas horas, a valor do ato de Consagração – mesmo
freqüentemente repetido – não passa de uma oração passageira. É como árvore plantada que
não lançou raízes.
Não quer isto significar que sejamos obrigados a pensar constantemente nessa
Consagração. Assim como a vida física é regulada pela respiração ou pelo pulsar do
coração, sem que disso tenhamos consciência, assim deve acontecer com a Verdadeira
37
[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 38]
Devoção: atuar incessantemente na vida da alma, mesmo que não tenhamos consciência
disso. Basta que, de tempos em tempos, recordemos os direitos de propriedade de Maria
sobre nós, por meio de pensamentos, atos e jaculatórias apropriadas; que de maneira
habitual, reconheçamos a nossa inteira dependência dela, sempre vagamente presente em
nosso espírito; e que, o nosso comportamento seja uma conseqüência dessa consagração,
em todas as circunstâncias da nossa vida.
O fervor, se acaso existe, pode ser proveitoso. Todavia, a sua ausência não afeta o
valor da Devoção. Muitas vezes, até, o fervor amolece a piedade, enfraquecendo-a.
Notemos bem: a Verdadeira Devoção não depende de fervores ou de sentimentos de
qualquer espécie. Como um grande edifício, ela pode, às vezes, ser abrasada pelos ardores
do sol, enquanto os seus fundos alicerces se mantêm frios como a rocha, em que se
assentam.
Em geral, a razão é fria; a melhor resolução da nossa vida pode ser glacial: a própria
fé pode ser gelada como um diamante. No entanto, estes são os alicerces da Verdadeira
Devoção. Sobre eles assentará com firmeza, e os gelos e as tempestades que desabam sobre
as montanhas hão de deixá-la ainda mais forte.
As graças que têm acompanhado a prática da Verdadeira Devoção e o lugar que
ocupa na vida espiritual da Igreja, parecem indicá-la, com razão, como uma autêntica
mensagem celeste. Isto afirmava já São Luís Maria de Montfort. Ligava-lhe
numerosíssimas promessas, cuja realização ficaria garantida a quantos cumprissem as
condições estabelecidas.
Consultem a experiência; interroguem aqueles para quem a prática desta Devoção é
mais do que um ato passageiro e superficial e verificarão com que profunda convicção
falam dos seus benefícios. Perguntem a eles se não estão sendo vítimas dos sentimentos ou
da imaginação. Hão de responder-lhes sempre, que os frutos são demasiado evidentes para
admitir ilusões.
Se a soma das experiências daqueles que compreendem, ensinam e praticam a
Verdadeira Devoção vale alguma coisa, parece indiscutível que esta Devoção aumenta
consideravelmente a vida interior, imprimindo-lhe um caráter especial de generosidade e de
pureza de intenção. Temos a sensação de sermos guiados e protegidos e a alegre certeza de
tirarmos, desde então, o melhor proveito possível da nossa vida. Com ela enfrentamos
sobrenaturalmente as mil e uma dificuldades da existência: a coragem se fortalece, a fé
torna-se mais firme, fazendo-nos fiéis instrumentos de qualquer obra de Deus. Com ela,
desenvolve-se
38
[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 39]
em nós, uma ternura e sabedoria, que obriga a força a ocupar o lugar que lhe convém e
desenvolve-se também uma suave humildade, guarda de todas as virtudes. Recebemos
graças que temos de considerar extraordinárias. Sentimo-nos chamados, freqüentemente, a
obras que ultrapassam os nossos méritos e dotes naturais. Com tal chamamento surgem
auxílios que nos habilitam a carregar, sem desfalecimento, gloriosos e pesados fardos.
Numa palavra, em troca de um esplêndido sacrifício que fizemos pela Verdadeira Devoção,
entregando-nos a Maria como escravos de amor, ganhamos o cêntuplo prometido àqueles
que se despojam de tudo, pela maior glória de Deus. Quando servimos, reinamos; quando
damos, enriquecemo-nos; quando nos entregamos, vencemos.
Algumas pessoas parecem reduzir toda a sua vida espiritual, muito simplesmente, a
uma questão egoísta de lucros e perdas. Ficam desconcertadas perante a idéia de abandonar
a Maria, Mãe das almas, as suas riquezas espirituais. Ouve-se dizer: “Se eu der a Maria
tudo o que me pertence, não poderá acontecer encontrar-me, à hora da morte, diante do
Supremo Juiz, de mãos vazias, e por conseguinte, com um Purgatório necessariamente
prolongado?” A resposta é simples e bela: “Não, de modo nenhum, uma vez que Maria
assiste ao julgamento!” O pensamento contido nesta reflexão, é profundo.
Mas a hesitação em fazer a Consagração provém, na maioria das vezes, não tanto
das nossas considerações puramente egoístas, como da nossa insegurança. Nós nos
preocupamos com a sorte futura daqueles por quem temos obrigação de rezar – a família, os
amigos, o Papa, a Pátria, etc. – se entregarmos a Maria todos os nossos tesouros espirituais.
Ponhamos de lado tais receios e façamos ousadamente a nossa Consagração. Com Maria
tudo está seguro. Ela é a guarda dos próprios tesouros de Deus e, por isso, também, capaz
de guardar os tesouros daqueles que depositam nela a sua confiança. Lancemos, portanto,
no seu coração excelso e generoso, a absoluta totalidade da nossa vida, com todas as
responsabilidades, obrigações e compromissos. Nas suas relações conosco, Maria procede
como se não tivesse outros filhos. A nossa salvação, a nossa santificação, as nossas
múltiplas necessidades estão, indiscutivelmente, presentes no seu espírito. Quando rezamos
pelas suas intenções, estejamos certos de que nós somos a sua primeira intenção.
Não é neste momento, em que aconselhamos o sacrifício, que convém provar que a
Consagração é de fato lucrativa. Seria destruir os próprios alicerces da oferta e privá-la do
caráter do sacrifício, de que depende o seu valor. Baste recordar que, em
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[Capítulo 6 Os deveres dos Legionários para com Maria página 40]
ocasião, uma multidão de dez ou doze mil pessoas se encontrava esfomeada em lugar
deserto (Jo 6, 1-14). Uma só pessoa havia que levara, para comer, cinco pães de cevada e
dois peixes. Pediram-lhe que os cedesse para o bem de todos. E ele o fez, generosamente.
Os cinco pães e os dois peixes foram então abençoados pelo Senhor, partidos e distribuídos
à multidão imensa, que comeu até se saciar e, no meio dela, o próprio doador. Os restos
encheram, a transbordar, doze cestos! Suponhamos agora que o tal indivíduo tivesse dito:
“Que são cinco pães e dois peixes para tanta gente? Além disso, eu preciso deles para os
meus parentes que estão comigo, cheios de fome. Não os posso dar”. Mas não! Deu-os e
recebeu ele e toda a família, da refeição milagrosa, muito mais do que havia entregue, com
certo direito indiscutível sobre o conteúdo dos doze cestos, se acaso desejasse reclamá-lo.
É assim que Jesus e Maria tratam sempre a alma generosa que se entrega a eles com
todos os seus bens, sem reservas nem condições. O dom da criatura, por eles divinamente
multiplicado, basta para satisfazer as necessidades de uma multidão imensa. As nossas
necessidades e intenções que, parece, deveriam sofrer com isso, são satisfeitas
prodigamente, pela bondade divina.
Apressemo-nos, pois, a entregar a Maria os nossos pães e peixinhos: vamos
depositá-los em seu colo, para que Jesus e ela os multipliquem e, com eles, saciem milhões
de almas que morrem de fome, no árido deserto deste mundo.
Não vamos mudar a forma externa das nossas orações ordinárias, ou o curso das
nossas ações de cada dia, pelo fato de nos havermos consagrado a Maria. Continuemos a
empregar o tempo como antes e a rezar pelas nossas intenções habituais e particulares,
sujeitos, porém, à aceitação da Santíssima Virgem.
“Maria mostra-nos seu Divino Filho e dirige-nos o mesmo convite que outrora
dirigiu aos servos de Caná: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). Se, obedecendo à
sua voz, lançarmos nas talhas da Caridade e do Sacrifício a água sem sabor dos mil
pormenores da nossa vida diária, renovar-se-á o milagre de Caná. A água converter-se-á
em vinho delicioso, quer dizer, em graças de eleição para nós e para os outros” (Cousin).
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