quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

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O LEGIONÁRIO E A SANTÍSSIMA TRINDADE
Não deixa de ser significativo o fato de o primeiro ato coletivo da Legião ter sido a
invocação e a oração ao Espírito Santo, logo seguidas do Terço à Virgem e a seu Divino
Filho.
Quando alguns anos mais tarde, se decidiu modelar o Vexillum, o Espírito Santo
passou a ser a característica predominante do novo emblema. O projeto (coisa estranha!)
havia sido fruto, não de uma preocupação teológica, mas artística. Tratava-se de
transformar o estandarte da Legião Romana, que não tinha nenhum sentido religioso, em
estandarte da Legião de Maria. A pomba substituiria a águia e a imagem de Nossa Senhora
substituiria a do Imperador ou do Cônsul. Daí a representação final, em que o Espírito
utiliza Maria como canal das Suas influências vivificadoras e toma posse da Legião.
A pintura da Tessera, mais tarde, veio ilustrar a mesma atitude de devoção: o
Espírito Santo aparece pairando sobre a Legião. Por Seu poder onipotente se trava um
combate sem fim: a Virgem esmaga a cabeça da Serpente, enquanto os seus batalhões
avançam, vitoriosos, sobre as forças adversas.
Secundária, mas interessante, é a circunstância de a cor da Legião ser a cor
vermelha e não a cor azul, como era lícito esperar. Assim foi decidido, em relação à cor do
halo da imagem de Nossa Senhora, no Vexillum e na Tessera. Requeria o simbolismo a
representação da Virgem, cheia do Espírito Santo e, por conseqüência aureolada de
vermelho. Daqui surgiu a idéia de a cor da Legião ser a cor vermelha. A Tessera, em que a
Senhora aparece radiante como a bíblica Coluna de Fogo e envolta nas chamas do Espírito
Divino, sublinha ainda o mesmo pensamento.
Assim, ao compor a fórmula do Compromisso, impunha-se logicamente – embora
de início causasse surpresa – que ela fosse dirigida ao Espírito Santo e não à Rainha da
Legião. Batia-se assim na mesma tecla: o Espírito Santo é o regenerador do mundo, não
havendo graça concedida aos indivíduos, por mínima que escape à Sua ação e Maria é
sempre a Sua Medianeira. Por virtude do Espírito, o Eterno Filho de Deus faz-se homem no
seio de Maria. O gênero humano uniu-se desta forma à Santíssima Trindade e Maria passou
a ligar-se, por uma relação única e distinta, a cada uma das Pessoas Divinas. É um dever
para nós procurar entrever esta tríplice relação. A compreensão
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[Capítulo 7 O Legionário e a Santíssima Trindade página 42]
do Plano Divino é sem dúvida uma grande graça, que não está fora do nosso alcance.
Insistem os Santos na necessidade de bem distinguir as Três Divinas Pessoas e de
prestar a cada uma delas a devida atenção. A este respeito, o Credo Atanasiano (1) é
absoluto e estranhamente ameaçador, pois se trata do fim último da Criação e da
Encarnação – a glória da Santíssima Trindade.
(1) Profissão de Fé cuja forma surgiu com o I Concílio Ecumênico (Nicéia – ano 325);
quando Santo Atanásio defendeu brilhantemente a divindade de Jesus contra aqueles que o
consideravam uma simples criatura do Pai, inferior a Ele e não o Filho de Deus.
Mas como poderemos nós penetrar, embora obscuramente, em tão incompreensível
mistério? Com certeza, só pela luz divina, que podemos solicitar confiadamente da Virgem
Maria, a quem pela primeira vez foi exposto, com clareza o mistério da Trindade. A
revelação teve lugar no momento histórico da Anunciação. Pelo seu Arcanjo, a Trindade
Santíssima assim se manifestou a Maria: “O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do
Altíssimo te cobrirá com a Sua sombra. E, por isso mesmo, o Santo que há de nascer de ti
será chamado Filho de Deus” (Lc 1, 35).
Aparecem nesta revelação de modo evidente as Três Divinas Pessoas. Primeiro, o
Espírito Santo, a quem é atribuída a obra da Encarnação; em seguida, o Altíssimo,o Pai
d’Aquele que há de nascer; e finalmente a Criança que “será grande e chamada Filho do
Altíssimo” (Lc 1,32).
A consideração das diferentes relações da Virgem com as Divinas Pessoas vai nos
ajudar a distingui-las de maneira mais perfeita.
A relação de Maria com a Segunda Pessoa Divina – a maternidade – é a mais
acessível ao nosso entendimento. A sua maternidade, porém, é de natureza mais íntima,
mais contínua e infinitamente mais elevada que a maternidade humana normal. No caso de
Jesus e de Maria, a união das almas ocupa o primeiro plano, e a da carne, o segundo; de tal
forma que, embora se tenham separado fisicamente na ocasião do nascimento de Jesus, a
união dos dois não só não se interrompeu, como progrediu até, por graus incompreensíveis
de intensidade, a ponto de Maria poder ser declarada pela Igreja, não apenas “aliada” da
Segunda Pessoa Divina – Correndentora na obra da Salvação, Medianeira da Graça – mas
de fato, “semelhante a Ele”.
Do Espírito Santo, Maria é comumente chamada, o templo ou o santuário.
Semelhantes termos, todavia, não exprimem
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[Capítulo 7 O Legionário e a Santíssima Trindade página 43]
totalmente a realidade, a união íntima e profunda do Espírito Santo com a Virgem, união
que a elevou à dignidade tão sublime que só Ele a excede. O Espírito Divino apossou-se de
Maria, fez uma só coisa com ela, e animou-a de tal sorte que pode ser considerada a sua
verdadeira alma. Maria não é um mero instrumento ou canal da Sua atividade divina; é,
antes, a Sua Cooperadora inteligente, consciente, a ponto de se poder afirmar que a ação de
Maria é a ação do Espírito Santo e que a rejeição da intervenção de Maria é a rejeição
simples da intervenção do Espírito Divino.
O Espírito Santo é Amor, Beleza, Poder, Sabedoria, Pureza e tudo quanto é divino.
Quando desce em plenitude a uma alma, desaparecem as dificuldades e os mais graves
problemas encontram solução de acordo com a Vontade Divina. Aceitando a Sua
colaboração, o homem entra no domínio da onipotência (Sl 77). Ora, uma das condições
para O atrair a nós é a compreensão da relação da Virgem com Ele. Outra, porém, existe e
vital, uma especial consideração pelo Espírito Santo como Pessoa real e distinta, com a Sua
missão específica junto do gênero humano. Um tal apreço não conseguirá manter-se sem
que o nosso espírito se volte com freqüência para Ele. Se lançarmos mão desta prática nas
nossas devoções à Santíssima Virgem, todas elas se poderão orientar para o Espírito Santo.
O Rosário, por exemplo, é uma oração que os legionários poderão utilizar especialmente
desta forma. É que o Rosário constitui uma excelente devoção ao Espírito Santo, não só por
ser a principal forma de oração a Nossa Senhora, como também pelo fato de conter os
quinze mistérios em que se celebram as mais importantes intervenções do Espírito de Deus,
no drama da Redenção.
A relação de Maria com o Eterno Pai é usualmente definida como a de Filha.
Semelhante título propõe-se designar:
a) a posição de Maria como “a primeira de todas as criaturas, a mais grata Filha de
Deus, a mais próxima e a mais querida”. (Newman);
b) a plenitude da sua união com Jesus, pela qual contraiu uma nova relação com o
Pai (1), que lhe dá direito a ser chamada misticamente, a Filha do Eterno Pai;
(1) “Como Mãe de Deus, Maria contrai uma certa afinidade com o Pai” (Lépicier).
c) a semelhança sublime com o Pai, que a tornou capaz de dar ao mundo a Luz
Eterna que nasce do seio deste Pai amoroso.
A designação de “Filha” talvez não nos dê a entender bastante, a influência que a
sua relação com o Pai lhe permite exer-
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[Capítulo 7 O Legionário e a Santíssima Trindade página 44]
cer em nós, filhos d’Ele e dela. “Deus Pai comunicou a Maria a Sua fecundidade, tanto
quanto era possível comunicar a uma simples criatura, para lhe dar o poder de produzir Seu
Filho e todos os membros do Seu Corpo Místico” (S. Luís Maria de Montfort). A sua
relação com o Pai é um elemento fundamental, sempre presente, no fluxo de vida que verte
para as almas. Deus exige que os Seus dons ao homem se traduzam, por parte deste, em
apreço e cooperação. Por conseguinte, esta união vivificante deve ser objeto freqüente dos
nossos pensamentos. O Pai Nosso, que os legionários repetem tantas vezes, rezado com esta
especial intenção, dará satisfação plena a este dever. Composto por Jesus Cristo, nele
pedimos o que nos é mais necessário e do modo mais perfeito. Rezado com inteira
consciência e no espírito da Igreja Católica, realizará perfeitamente o propósito de
glorificar o Eterno Pai e de prestar-Lhe a homenagem do nosso reconhecimento, pelo dom
superabundante com que nos presenteou, por Maria.
“Recordemos para confirmar a dependência que devemos ter da Santíssima
Virgem, o exemplo que nos deram as Pessoas da Santíssima Trindade.
O Pai não deu e não dá o Seu Filho senão por Maria; não adota filhos senão por
ela, nem comunica as Suas graças senão por ela. Deus Filho não foi formado para todo o
mundo, senão por Maria, nem é formado e gerado todos os dias senão por ela, em união
com o Espírito Santo e só por meio dela comunica os seus merecimentos e virtudes. O
Espírito Santo não formou Jesus Cristo senão por ela, e só por meio dela distribui os Seus
dons e favores. Depois de tantos e tão manifestos exemplos da Santíssima Trindade,
poderemos nós, sem uma cegueira extrema, dispensar-nos de Maria, não nos
consagrarmos a ela, nem dela depender?” (S. Luís Maria de Montfort: Tratado de
Verdadeira Devoção, 140).
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O LEGIONÁRIO E A EUCARISTIA
1. A Santa Missa
Como já acentuamos, a santidade dos membros é de fundamental importância para a
Legião. Além disso é também o seu principal meio de ação. É que o legionário não pode ser
canal
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[Capítulo 8 O Legionário e a Eucaristia página 45]
de graças para os outros, senão na medida em que ele próprio as possui. Por isso, ao
ingressar na Legião, cada membro pede insistentemente por intermédio de Maria a
plenitude do Espírito Santo e a graça de ser instrumento do Seu poder divino, que há de
renovar a face da terra.
As graças assim pedidas brotam todas, sem exceção, do Sacrifício de Jesus no
Calvário. É pela Santa Missa que o Sacrifício da Cruz se perpetua entre os homens. A
Missa não é, pois, uma simples representação simbólica do passado: ela torna real e
atualmente presente no meio de nós essa ação sublime que Nosso Senhor consumou no
Calvário e pela qual remiu a humanidade.
A Cruz não vale mais do que a Missa, porque são um e mesmo sacrifício, afastados
o tempo e o espaço pela mão do Onipotente. O Sacerdote e a Vítima são idênticos, difere
apenas o modo de oferecer o Sacrifício. A Missa contém tudo quanto Jesus Cristo ofereceu
a Deus e tudo quanto alcançou para os homens; e o oferecimento dos que participam da
Missa torna-se um só com o próprio sacrifício do Salvador.
O legionário deverá recorrer à Missa, se deseja, para si e para os outros, uma
participação abundante nas riquezas da Redenção. A Legião não impõe aos seus membros
qualquer obrigação concreta sobre a participação na Missa, pois as ocasiões e
circunstâncias da vida de cada membro são muito diferentes. Todavia, preocupada com eles
e com seus trabalhos, insiste com todos e suplica-lhes que tomem parte nela, com
freqüência – diariamente se for possível – e recebam nessa ocasião a Sagrada Comunhão.
Se os legionários são obrigados a agir sempre em união íntima com Maria, é
sobretudo no ato solene da participação na Santa Missa que o devem fazer.
Como sabemos, a Missa compõe-se de duas partes principais, a Liturgia da Palavra
e a Liturgia Eucarística. É importante ter presente que estas duas partes estão tão
intimamente unidas que formam um só ato de culto (SC 56). Por isso, os fiéis devem tomar
parte na Missa inteira, onde estão a mesa da Palavra e a mesa do Corpo de Cristo, para que
por elas sejam instruídos e alimentados (SC 48, 51).
“O sacrifício da Missa não é tão somente uma recordação simbólica da Cruz. Ao
contrário, a Missa torna atualmente presente o sacrifício do Calvário, como uma excelsa
realidade não sujeita a tempo e a espaço. O espaço e o tempo desaparecem, pela mão do
Onipotente. O mesmo Jesus que morreu na Cruz está ali presente. Os participantes unemse
à Sua vontade santíssima e sacrifical; e,
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[Capítulo 8 O Legionário e a Eucaristia página 46]
por Jesus presente no meio deles consagram-se ao Pai celeste como uma viva oblação. A
Santa Missa é, pois, uma tremenda realidade, a realidade do Gólgota: torrente de dor e de
arrependimento, de amor e de devoção, de heroísmo e de espírito de sacrifício, que brota
do altar e corre sobre a comunidade em oração” (Karl Adam: O Espírito do Catolicismo).
2. Liturgia da Palavra
A Missa é, acima de tudo, a celebração da fé, daquela fé que nasceu em nós e foi
alimentada pela audição da Palavra de Deus. Recordemos a este respeito as palavras da
Instrução Geral sobre o Missal (nº 9): “Quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura, é o
próprio Deus que fala ao Seu povo, é Cristo presente na Sua palavra quem anuncia o
Evangelho. Por isso, as leituras da Palavra de Deus, que oferecem à Liturgia um dos
elementos de maior importância, devem ser escutados por todos com veneração”. A
homilia é também de grande importância: parte necessária da Missa nos Domingos e Dias
Santos, e também desejável nos outros dias. Pela homilia, o sacerdote explica o texto
sagrado à luz dos ensinamentos da Igreja, para o crescimento da fé dos presentes.
Nossa Senhora é o modelo da nossa participação na palavra, porque “é a Virgem
que sabe ouvir, que acolhe a palavra de Deus com fé, fé que foi para Ela a preparação e o
caminho para a maternidade divina” (MCul 17).
3. A Liturgia da Eucaristia em união com Maria
Nosso Senhor não começou a obra da Redenção, sem o consentimento de Maria,
solenemente pedido e livremente dado; nem a completou no Calvário, sem a sua presença.
“Por esta comunhão de sofrimentos e de vontades entre Maria e Cristo, mereceu ela, com
justíssima razão, tornar-se a Restauradora do mundo perdido e a Despenseira de todas as
graças, que Jesus alcançou com a Sua morte e com o Seu sangue” (AD 9). Junto a Cruz do
Salvador esteve Maria, representando o gênero humano; também agora, em cada Missa está
presente, cooperando com Jesus, como sempre, ela, a Mulher anunciada desde o princípio,
Aquela que esmaga a cabeça da Serpente infernal. Por isso, uma amorosa união a Maria
deve fazer parte de toda a Missa bem participada.
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[Capítulo 8 O Legionário e a Eucaristia página 47]
Com Maria, no Calvário, estiveram também os representantes de uma Legião – o
centurião e a sua coorte – que desempenharam um fúnebre papel no oferecimento da
Vítima, embora não soubessem que estavam crucificando o Senhor da Glória (1Cor 2, 8). E
ó maravilha! a graça desceu, em torrentes, sobre os seus corações. “Contemplai e vede”, diz
S. Bernardo, “como a fé tem o olhar penetrante. Reparai bem nos seus olhos de lince! Por
ela, no Calvário, o Centurião reconheceu a vida na morte; e, num último suspiro, o Espírito
soberano”. Contemplando a sua Vítima morta e desfigurada, os legionários romanos
proclamaram-na Verdadeiro Filho de Deus (Mt 27, 54).
A conversão destes homens grosseiros e cruéis foi o fruto repentino e inesperado
das orações de Maria. Estranhos filhos, os primeiros que a Mãe dos homens recebeu no
Calvário e que lhe tornaram para sempre tão querido, o nome de legionários. Depois disto,
quem poderá duvidar de que ela, quando os seus legionários – unindo-se às suas intenções,
elemento integrante da sua cooperação – participam todos os dias da santa Missa, os reúna
à volta de si e lhes dê aqueles olhos penetrantes de fé e o seu Coração transbordante para
que, assim, tomem parte de maneira mais íntima e proveitosa na continuação do sublime
sacrifício do Calvário?
Quando virem levantar o Filho de Deus, os legionários hão de unir-se a Ele, para
com Ele formarem uma só Vítima. A Missa, sacrifício de Jesus Cristo, é também o deles.
Deveriam, em seguida, receber o Corpo adorável do Senhor: para obter a plenitude dos
frutos do Divino Sacrifício é absolutamente necessário que os participantes comunguem
com o sacerdote a carne da Vítima imolada.
Hão de compreender então, a parte essencial de Maria, a nova Eva, nestes mistérios
sagrados – parte e cooperação tão íntima que, “quando o seu amado Filho consumava a
Redenção do gênero humano no altar da Cruz, lá estava a Seu lado, sofrendo e remindo
com Ele” (Pio XI). Ao se retirarem, Maria acompanhará os legionários, dando-lhes parte
das suas graças e da distribuição que se segue, derramando através deles, em todos quantos
encontrarem ou, naqueles por quem trabalharem, os infinitos tesouros da Redenção.
“A sua maternidade é particularmente notada e vivida pelo povo cristão no
Banquete Sagrado – celebração litúrgica do mistério da Redenção – no qual se torna
presente Cristo, no seu verdadeiro Corpo, nascido da Virgem Maria.
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[Capítulo 8 O Legionário e a Eucaristia página 48]
Com muita razão, a piedade do povo cristão percebeu sempre uma ligação
profunda entre a devoção à Virgem Santíssima e o culto da Eucaristia: pode-se comprovar
este fato, na liturgia tanto ocidental como oriental, na tradição das Famílias religiosas, na
espiritualidade dos movimentos contemporâneos, mesmo dos movimentos juvenis e na
pastoral dos santuários marianos: Maria conduz os fiéis à Eucaristia (RMat 44).
4. A Eucaristia, nosso tesouro
A Eucaristia é o centro e a fonte da graça: por isso, deve constituir também a pedra
angular do sistema legionário. A mais ardente atividade não fará nada que preste, se
esquecer, por um só momento, que o seu motivo principal é o estabelecimento em todos os
corações do reino da Eucaristia. Deste modo será atingido o fim para que Jesus veio ao
mundo: comunicar-se às almas, para as fazer uma só coisa com Ele. Ora, o meio principal
para conseguir tal união é a Eucaristia. “Eu sou”, diz Jesus “o pão vivo que desceu do Céu.
Quem comer deste pão viverá eternamente; e o pão que Eu darei é a minha carne, para a
salvação do mundo” (Jo 6, 51-52).
A Eucaristia é o bem infinito. Neste sacramento, com efeito, está o próprio Jesus tão
presente como outrora em Nazaré ou no Cenáculo de Jerusalém. A Sagrada Eucaristia não é
o símbolo da Sua pessoa ou um instrumento do Seu poder: é o mesmo Jesus, vivo e inteiro.
Por isso, Aquela que O concebeu e nutriu “encontrava na hóstia adorável o fruto bendito do
seu ventre, e renovava na sua vida de união com Jesus Sacramentado os ditosos dias de
Belém e Nazaré” (S. Pedro Juliano Eymard).
Muitos, para quem Jesus não passa de um homem inspirado, O honram e imitam; e
maiores homenagens Lhe renderiam, se n’Ele vissem algo de mais elevado. Como
deveríamos nós nos comportarmos, visto possuirmos o inestimável benefício da fé? Como
são indesculpáveis os católicos que crêem mas não praticam. Aquele Jesus, que os outros
tanto admiram, possuem-n’O os católicos, vivo, na Eucaristia. Têm livre acesso a Ele;
podem e devem recebê-l’O, mesmo todos os dias, como alimento das suas almas.
À vista disto, como é triste verificar a vergonhosa negligência com que é tratada tão
rica herança e como pessoas que crêem na Sagrada Eucaristia, por pecados e desleixos, se
privam deste alimento vital da alma, que Jesus, desde o primeiro instante da
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[Capítulo 8 O Legionário e a Eucaristia página 49]
Sua existência terrestre, pensava em dar-lhes. Logo em Belém (Casa do Pão) foi reclinado
na palha de que Ele era o Trigo Divino, destinado a tornar-se em breve o Pão Celeste que
havia de unir a Ele todos os homens (e uns aos outros), no seu Corpo Místico.
Maria é a Mãe deste Corpo Místico. E assim como outrora cuidava dedicadamente
de todas as necessidades de Jesus Menino, assim deseja agora ardentemente nutrir o Corpo
Místico, do qual é Mãe, tanto quanto o é de Jesus. Que angústias para o seu Coração
maternal, ao ver a fome – às vezes extrema – de seu Filho, no Seu Corpo Místico, porque
poucos se alimentam como devem do Pão Divino, e muitos, absolutamente nada. Que todos
quantos desejam de fato unir-se a Maria, para participar dos seus cuidados maternais para
com as almas, partilhem também das suas angústias e se esforcem, com ela, por matar a
fome do Corpo Místico de Jesus. O legionário deve aproveitar todos os recursos para
despertar nas pessoas com quem realiza o seu apostolado, o conhecimento e o amor ao
Santíssimo Sacramento, e também aproveitar para destruir o pecado e a indiferença que
d’Ele afastam tanto, os homens. Cada comunhão obtida representa um lucro
incomensurável, porque, alimentando a alma individual, nutre todo o Corpo Místico de
Cristo e o faz crescer em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e dos homens
(Lc 2, 52).
“Esta união da Mãe com o Filho na obra da Redenção alcança o ponto culminante
no Calvário, onde Cristo ‘se ofereceu a si mesmo, vítima sem mácula, a Deus’ (Hb 9, 14),
e onde Maria esteve de pé, junto à Cruz (Cf. Jo 19, 15), ‘sofrendo profundamente com o
seu Unigênito e associando-se com ânimo maternal ao seu sacrifício, consentido
amorosamente na vítima que havia gerado’, e oferecendo-a também ela, ao eterno Pai.
Para perpetuar ao longo dos séculos o Sacrifício da Cruz, o divino Salvador instituiu o
Sacrifício Eucarístico, memorial da sua Morte e Ressurreição, e confiou-o à Igreja, sua
Esposa, a qual, sobretudo aos domingos, convoca os fiéis para celebrar a Páscoa do
Senhor, até que ele volte: o que a mesma Igreja faz em comunhão com os Santos do céu e,
em primeiro lugar, com a bem-aventurada Virgem Maria, de quem imita a caridade
ardente e a fé inabalável” (MCul 20).
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O LEGIONÁRIO E O CORPO MÍSTICO DE CRISTO
1. O serviço legionário é baseado nesta doutrina
Já na primeira reunião de legionários ficou bem claro o caráter sobrenatural do
serviço a que iam se dedicar. A sua convivência com o próximo devia transparecer
cordialidade, não por motivos meramente naturais, mas porque deveriam ver nesse próximo
a mesmíssima Pessoa de Cristo, tendo sempre presente que tudo o que fizessem aos outros,
ainda que de maneira fraca ou desprezível, o faziam Àquele mesmo Senhor que afirmou:
“Em verdade vos digo que o que fizestes ao mais pequeno dos meus irmãos, a mim próprio
o fizestes” (Mt 25, 40).
Ora, o que se deu com a primeira reunião tem-se dado com todas as que se lhe
seguiram. Nenhum esforço tem sido poupado na intenção de fazer ver aos legionários que
tal critério deve ser, não só a pedra basilar do seu serviço, mas o alicerce da disciplina e da
harmonia na vida interna da Legião. O legionário deve ver e respeitar nos Oficiais e nos
companheiros, o próprio Cristo. Que ele tenha sempre presente esta verdade
transformadora. Para ajudá-lo a atingir tal fim é que se inscreve esse princípio na Ordem
Permanente, lida mensalmente na reunião do Praesidium. Essa Ordem insiste ainda neste
outro princípio fundamental da Legião: devemos trabalhar em tão estreita união com Maria
que seja ela quem de fato, por meio do legionário, execute a sua obra.
Estes princípios básicos da Legião não são mais, afinal, do que a conseqüência da
Doutrina do Corpo Místico de Cristo, doutrina que constitui o tema principal das Epístolas
de São Paulo: e isto nada tem de singular, sabendo-se que a conversão do Apóstolo se deve
à declaração dessa doutrina. Perante o clarão que baixara do céu, o grande perseguidor dos
cristãos caiu por terra, cego, e ouviu estas aterradoras palavras: “Saulo, Saulo, porque me
persegues?” E Saulo interrogou: “Quem é tu, Senhor?” E uma voz respondeu-lhe: “Eu sou
Jesus, a quem tu persegues” (At 9, 4-5). Que maravilha que estas palavras ficassem
gravadas a fogo vivo na alma do Apóstolo e que este se sentisse a todo momento compelido
a falar e a escrever sobre a verdade nelas contida.
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[Capítulo 9 O Legionário e o Corpo Místico de Cristo página 51]
São Paulo compara a união entre Cristo e os batizados àquela que existe entre a
cabeça e os outros membros do corpo humano. Neste, cada membro tem a sua finalidade, a
sua função especial; uns são mais nobres, outros menos, mas todos, dependendo uns dos
outros, são animados pela mesma vida. Deste modo, o dano sofrido por um deles reflete-se
em todos; mas, se um recebe benefício, todos dele participam.
A Igreja é o Corpo Místico de Cristo e a Sua plenitude (Ef 1, 22-23); Cristo é a
Cabeça, a parte principal, indispensável e perfeita, onde todos os membros vão buscar as
suas energias e a sua própria vida. O batismo une-nos a Cristo com laços de tal forma
estreitos, que ninguém poderá imaginá-los. O termo “místico” não significa, de forma
alguma, irreal. De acordo com as vibrantes palavras da Sagrada Escritura – “somos
membros do Seu corpo, formados da Sua carne e dos Seus ossos” (Ef 5, 30). Daqui
resultam certos deveres sacratíssimos de amor e de serviço, não só entre os membros e a
Cabeça, mas entre os próprios membros (1Jo 4, 15-21). A comparação do corpo ajuda-nos
poderosamente a compreender esses deveres, e tal conhecimento constitui já meio caminho
andado para o seu cumprimento.
Com razão se tem afirmado ser este o dogma central do Cristianismo. De fato, toda
a vida sobrenatural, todas as graças concedidas ao homem são fruto da Redenção. Esta se
baseia no fato de Cristo e a Sua Igreja constituírem uma única pessoa mística; e assim é que
as reparações operadas por Cristo, a Cabeça, e os méritos infinitos da Sua Paixão pertencem
também aos Seus membros, os fiéis. Deste modo se explica como é que Nosso Senhor pôde
sofrer pelo homem, conseguindo o perdão de culpas que não cometera. “Cristo é a Cabeça
da Igreja, Seu Corpo, do qual ele é o Salvador” (Ef 5, 23).
A atividade do Corpo Místico é a do próprio Cristo. Os fiéis são n’Ele incorporados
e n”Ele vivem, sofrem e morrem, e, em Sua Ressurreição, ressuscitam. O batismo santifica,
precisamente, porque estabelece, entre Cristo e a alma, essa comunicação de vida, por onde
flui, da Cabeça para os membros, a santidade. Os outros Sacramentos, sobretudo a Divina
Eucaristia, destinam-se a estreitar a união entre o Corpo Místico e a Cabeça. Tal união,
entre a cabeça e os membros, intensifica-se ainda pelo exercício da fé e da caridade, pelos
vínculos da autoridade e do serviço mútuo na Igreja, pelo trabalho e pelo sofrimento,
aceitos com resignação; resumindo: por qualquer ato de vida verdadeiramente cristã. Tudo
isto, porém, será mais eficaz, se a alma atuar decididamente sob a proteção de Maria
Santíssima.
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[Capítulo 9 O Legionário e o Corpo Místico de Cristo página 52]
Maria, pelo seu privilégio de Mãe da Cabeça e dos membros, passa a ser um
eminente laço de união do Corpo Místico. Se é certo que “somos membros do Seu Corpo,
formados da Sua carne e dos Seus ossos”, somos também, com igual verdade e plenitude,
filhos de Maria, Sua Mãe. A Santíssima Virgem foi criada para conceber e dar à luz o
Cristo total, quer dizer, o Corpo Místico com todos os seus membros, perfeitos e ligados
entre si (Ef 4, 15-16), e unidos com a Cabeça, Jesus Cristo; e ela cumpriu seu destino, em
colaboração e mediante o poder do Espírito Santo, que é a vida e a alma do Corpo Místico.
No seio maternal de Maria, e dócil aos seus cuidados, a alma irá crescendo em Cristo, até
chegar à idade perfeita (Ef 4, 13-15).
“Maria desempenha um papel único e sem igual na economia divina. Ela preenche,
entre os membros do Corpo Místico, um lugar à parte – o primeiro depois da Cabeça.
Neste organismo divino do Cristo Total, a sua função está intimamente ligada à vida de
todo o Corpo. É o Coração... Servindo-nos de uma imagem mais popular, ela assemelhase,
por motivo da sua função – é o que diz S. Bernardo – ao pescoço, que liga a cabeça aos
membros do Corpo. A figura suficientemente clara demonstra o porquê da mediação
universal de Maria, entre Cristo – a Cabeça Mística – e os Seus membros. No entanto, a
comparação do pescoço é menos vigorosa que a do coração, para significar a enorme
importância da influência de Maria e do seu poder, o maior depois de Deus, nas operações
da vida sobrenatural; e isto, porque o pescoço não passa de simples ligação, nada fazendo
para iniciar ou influenciar a vida. O coração, pelo contrário, é um centro de vida, o
primeiro a receber os tesouros que imediatamente distribui a todo o organismo” (Mura: O
Corpo Místico de Cristo).
2. Maria e o Corpo Místico
Os cuidados postos por Maria na alimentação, no cuidado e no carinho do Corpo
físico do seu Divino Filho, continuam a ser dispensados agora, em favor de todos e de cada
um dos membros do Corpo Místico, dos mais humildes aos mais nobres. E assim é que,
“agindo os membros com mútua solicitude” (1Cor 12, 25), jamais o fazem
independentemente de Maria, mesmo quando deixem, por descuido ou ignorância, de
reconhecer a sua presença. Nada mais fazem do que unir os seus esforços aos esforços de
Maria. É uma
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[Capítulo 9 O Legionário e o Corpo Místico de Cristo página 53]
obra que lhe pertence e à qual se tem entregado por completo desde a Anunciação até hoje.
Considera-se, assim, que não são propriamente os legionários que se valem do auxílio da
sua Rainha para melhor servir os restantes membros do Corpo Místico, mas é ela que se
digna utilizá-los. E, por tratar-se de uma obra que pertence a Maria, ninguém pode cooperar
nela, sem que a Senhora benevolente, se digne permiti-lo. Tal fato, conseqüência lógica da
doutrina do Corpo Místico, deve ser meditado por todos os que se dedicam ao serviço do
próximo, mas não reconhecem o lugar e os privilégios de Maria. Constitui, além disso, uma
boa lição para os que confessam acreditar nas Escrituras, mas desconhecem e menosprezam
a Mãe de Deus. Cristo – fiquem todos sabendo – amou Sua Mãe, sujeitando-se a ela (Lc 2,
51); e o seu exemplo obriga todos os membros do Seu Corpo Místico a fazerem o mesmo:
“Honrarás... tua Mãe” (Ex 20, 12). Por mandamento divino, cabe a nós amá-la filialmente.
Todas as gerações hão de bendizer tão boa Mãe (Lc 1, 48).
Portanto, assim como ninguém poderá pensar em colocar-se a serviço do próximo a
não ser com Maria, assim também não poderá realizar dignamente tal missão, se não tiver ,
ainda que imperfeitamente, as mesmas intenções de Maria. Quanto maior for a nossa união
com ela, tanto mais perfeitamente cumpriremos o divino preceito de amar a Deus e de
servir o próximo (1Jo 4,19-21).
A função própria dos legionários dentro do Corpo Místico é guiar, consolar e
esclarecer os outros. Tal missão, note-se, só será devidamente cumprida, quando os
legionários se compenetrarem por completo, da doutrina do Corpo Místico e da
identificação deste com a Igreja. A posição e os privilégios da Igreja, a sua unidade, a sua
autoridade, o seu desenvolvimento, padecimentos, milagres, triunfos, o seu poder de
conferir a graça e o perdão dos pecados: tudo isto não será apreciado no seu justo valor, se
não se compreender que Cristo vive na Igreja e que é por intermédio dela, que continua a
Sua missão na terra. A Igreja reproduz verdadeiramente a vida de Cristo.
Cada membro da Igreja é intimado por Cristo, sua Cabeça, a desempenhar
determinada missão dentro do Corpo Místico.
“Jesus Cristo” – lemos na Constituição Lumen Gentium – “comunicando o Seu
Espírito, fez dos Seus irmãos, chamados de entre todos os povos, o Seu Corpo Místico.
Nesse corpo a vida de Cristo difunde-se naqueles que nEle crêem...” Como todos os
membros do corpo humano, apesar de serem muitos, formam, um só corpo, assim também
os fiéis em Cristo”
53
[Capítulo 9 O Legionário e o Corpo Místico de Cristo página 54]
(Cf. 1Cor 12, 12). “Na organização do Corpo Místico de Cristo existe igualmente
diversidade de membros e funções. É um único Espírito que distribui os seus vários dons
para bem da Igreja, na medida das riquezas e exigências dos serviços” (Chl 20).
Para saber a forma de serviço que deve caracterizar os legionários na vida do Corpo
Místico, fixemos os olhos em Maria. Ela foi-nos apresentada como o coração do Corpo
Místico. A sua função, como a do coração humano, é fazer circular o sangue de Cristo,
levando às diversas partes do corpo, a vida e o crescimento. Acima de tudo, é um trabalho
de amor. Por conseguinte, os legionários, ao exercerem o seu apostolado em união com
Maria, são chamados a fazer uma só coisa com Ela, no Seu papel vital de coração do Corpo
Místico.
“Não pode dizer a vista à mão: não preciso da tua ajuda; nem a cabeça aos pés: não
me sois necessários” (1Cor 12, 21). Tais palavras revelam ao legionário, a importância da
sua cooperação na obra do apostolado. E isto, não devido apenas à sua união com Cristo,
com o qual forma um só Corpo e de quem depende, mas ainda porque o próprio Cristo, que
é a cabeça, depende verdadeiramente do legionário a quem bem poderia se dirigir nestes
termos: “Eu necessito da tua ajuda na Minha obra de santificar e salvar as almas”. São
Paulo destaca, a propósito, a dependência em que se encontra a cabeça em relação ao corpo,
quando fala de completar em sua carne, o que falta à Paixão de Cristo (Cl 1, 24). A frase,
estranha, não significa de modo algum que a obra de Cristo ficasse imperfeita; ela salienta
apenas a idéia de que, cada membro do Corpo Místico tem de contribuir, na medida do
possível, para a própria salvação e para a salvação dos restantes membros (Fl 2, 12)
Essa doutrina instrui o legionário sobre a sublime vocação, a que foi chamado,
como membro do Corpo Místico: a de completar o que falta à missão de Nosso Senhor.
Maravilhoso pensamento este: Jesus Cristo necessita de mim para levar a luz e a esperança
aos que vivem nas trevas, o consolo aos aflitos, a vida aos mortos no pecado. Inútil seria
acrescentar, conseqüentemente, que o legionário tem de agir dentro do Corpo Místico,
copiando de modo singular o amor e a obediência incomparáveis que Cristo, a Cabeça,
dedicou à Sua Mãe; amor que o Seu Corpo Místico tem de reproduzir.
“Assim como São Paulo nos assegura completar em seu próprio corpo a medida
dos sofrimentos de Cristo, assim podemos afirmar que um verdadeiro cristão, membro de
Jesus e a Ele unido pela grã-
54
[Capítulo 9 O Legionário e o Corpo Místico de Cristo página 55]
ça, continua e vai até o fim, através do seu trabalho comprometido com o espírito de Jesus,
as ações do próprio Salvador, durante a Sua vida mortal. E isto de tal forma que, quando
um cristão reza, dá continuidade à oração iniciada por Jesus sobre a terra; quando
trabalha, completa o que faltou à vida apostólica de Jesus. Temos de ser assim outros
tantos Cristos sobre a terra, continuando-O na Sua Vida e nas suas ações, agindo e
sofrendo tudo, no espírito de Jesus, isto é, com santas e divinas disposições” (São João
Eudes: O Reino de Jesus).
3. O sofrimento no Corpo Místico
A missão dos legionários coloca-os em íntimo contato com todos os homens,
especialmente com os que sofrem. Necessário é, pois, que conheçam a fundo aquilo que o
mundo é inclinado a chamar, o problema do sofrimento. Ninguém pode fugir nesta vida à
sua Cruz. A maior parte revolta-se contra ela, procurando desviá-la dos seus ombros, e,
porque isso é impossível, ficam esmagados sob o seu peso. Inutilizam assim os planos da
Redenção, que exigem o complemento da dor para que a vida resulte frutuosa, do mesmo
modo que, qualquer tecido exige o cruzamento de fios para se obter o tecido. A dor só
aparentemente contraria e impossibilita a vida do homem. Na realidade, ela a favorece e a
aperfeiçoa. Assim o ensina a Sagrada Escritura, em cada uma das suas páginas, quando
proclama a necessidade “não só de crer em Cristo, mas também a de sofrer por Ele” (Fl 1,
29); e ainda: “Se morrermos com ele, com Ele viveremos; se com Ele padecermos, com Ele
reinaremos” (2Tm 2, 11-12).
A nossa morte em Cristo, de que fala o Apóstolo, está representada por uma cruz
salpicada de Sangue – aquela em que Cristo, nossa Cabeça, acaba de consumar a Sua obra.
Ao pé da Cruz e imersa em tal desolação que parecia impossível continuar a viver, estava a
Mãe do Redentor e dos remidos, aquela de cujas veias tinha vindo o sangue que tão
abundantemente molhava a terra, para resgate da humanidade. Este Sangue Precioso é o
mesmo que é destinado a circular pelo Corpo Místico, conduzindo a vida até as mais
pequenas células; levando à alma a perfeita imagem de Cristo, de um Cristo completo; não
apenas do de Belém e do Tabor, feliz e refulgente de glória, mas também do Cristo
doloroso, do Cristo vítima, do Cristo do Calvário. Para que os maravilhosos frutos desta
torrente redentora possam ser aplicados às almas devemos conhecê-los.
55
[Capítulo 9 O Legionário e o Corpo Místico de Cristo página 56]
Saibam todos os cristãos que não podem selecionar em Cristo o que agrada e rejeitar
o restante. Saibam-no tão bem como o soube Maria nas alegrias da Anunciação. Ela já
então sabia que não era convidada a ser somente mãe venturosa, mas também mãe
dolorosa; tendo-se entregado a Deus sem a menor reserva desde sempre, aceita o Cristo
completo. Ao acolher o Menino no seu seio, ela tinha perfeito conhecimento de tudo
quanto estava contido no mistério; estava disposta tanto a esgotar com o seu Filho o cálice
da amargura, como a compartilhar com Ele, as Suas glórias. Nesse momento, se uniram
aqueles dois Corações Sacratíssimos tão estreitamente, que chegaram quase a identificar-se.
Foi, então, que começaram a pulsar em conjunto dentro do Corpo Místico e em seu
benefício; e, Maria se tornou a Medianeira de todas as Graças, o Vaso Espiritual que recebe
e espalha o Precioso Sangue do Senhor. Ora, o que aconteceu à Mãe, acontecerá com aos
filhos. O homem será tanto mais útil a Deus, quanto mais íntima for a sua união com o
Sagrado Coração, a fonte, onde ele irá beber o Sangue Redentor, para o derramar com
grande fartura sobre as almas. É necessário porém, que esta união com o Sangue e o
Coração de Cristo, abranja totalmente a vida de Jesus; não basta que se aproprie de uma ou
de outra fase. Seria tão leviano como indigno receber de braços abertos o Rei da Glória e
rejeitar o Homem das Dores, porque Um e Outro são o mesmo Cristo. Aquele que não
acompanhar o Cristo sofredor, não tomará parte na Sua missão junto das almas nem
participará da Sua glória.
Conclui-se, portanto, que sofrer é sempre uma graça: graça que, quando não cura,
fortifica. Nunca podemos conceber o sofrimento como castigo do pecado. “Fica sabendo”
diz S. Agostinho, “que as aflições do gênero humano não são uma lei penal, pois o
sofrimento tem caráter terapêutico”. Por outro lado, a Paixão do Senhor transborda, por
privilégio todo especial, sobre os santos e os justos, a fim de os tornar mais semelhantes ao
Redentor. Este intercâmbio e esta fusão de sofrimentos é a base de toda a mortificação e
reparação.
Uma simples comparação com a circulação do sangue no corpo humano dá a idéia
perfeita da função e da finalidade do sofrimento. Tomemos para exemplo a mão. A
pulsação que ali se nota corresponde ao bater do coração – fonte do sangue quente que nela
circula. É que a mão está unida ao corpo de que faz parte. Se a circulação diminui, as veias
se encolhem e o sangue encontra maior dificuldade em correr; e essa dificuldade aumenta à
medida que o frio se torna mais intenso. Se o frio for de tal
56
[Capítulo 9 O Legionário e o Corpo Místico de Cristo página 57]
intensidade que faça cessar a pulsação, a mão gelará e os seus tecidos morrerão. Ficará
caída, sem sangue e não tardará a surgir a gangrena, caso esta situação se prolongue.
Estes diversos graus de frio ajudam-nos a compreender melhor as possíveis
situações espirituais do Corpo Místico. Em alguns a capacidade de receber o Precioso
Sangue é tão limitada, que correm perigo de morte, como membros gangrenados que têm
de ser amputados. O remédio para um membro gelado é evidente: provocar de novo a
circulação para que recupere a vida. Introduzir o sangue à força, nas veias e artérias
constitui, sem dúvida processo doloroso, mas a dor é anúncio de futura alegria. Acontece
que a maioria dos católicos praticantes não são de fato membros gelados; contentes
consigo, dificilmente se considerarão até membros frios. No entanto, o Precioso Sangue
não circula neles no grau desejado pelo Senhor, o que o obriga a introduzir neles à força, a
Sua vida.
O Sangue Divino, circulando e dilatando as veias endurecidas, causa dores ao
paciente: são os sofrimentos da vida. Estas dores, porém, bem compreendidas, não
deveriam constituir uma fonte de alegria? A consciência da dor converte-se, então, na
consciência da presença real e íntima de Nosso Senhor Jesus Cristo.
“Jesus Cristo sofreu tudo quanto tinha de sofrer, nada faltou para fazer
transbordar a medida dos Seus padecimentos. No entanto, a Sua Paixão não terminou
ainda... Terminou, sim, no que ser refere à Cabeça, mas continua nos membros do Seu
Corpo. Com muita razão, pois, Nosso Senhor, que ainda sofre no Seu Corpo, deseja vernos
tomar parte no seu sacrifício redentor. Exige-o a nossa união com Ele: porque, se
somos o Corpo de Cristo e membros uns dos outros, tudo quanto sofra a Cabeça, os
membros também deveriam sofrer em solidariedade com ela” (Santo Agostinho).
10
APOSTOLADO DA LEGIÃO
1. Dignidade do Apostolado
Para descrever a dignidade do apostolado, para o qual a Legião convida os seus
membros, e demonstrar a sua importância para a Igreja, não podemos encontrar palavras
mais expressivas do que a seguinte declaração:
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[Capítulo 10 Apostolado da Legião página 58]
“O dever e o direito dos leigos ao apostolado, se originam da sua mesma união com
Cristo Cabeça. Com efeito, pertencendo pelo Batismo ao Corpo Místico de Cristo e
robustecidos pela Confirmação com a força do Espírito Santo, é pelo Senhor mesmo que
são destinados ao apostolado. São sagrados em ordem a um sacerdócio real e a um povo
santo (cf. 1 Pd 2, 4-10) para que todas as suas atividades seja oblações espirituais e por toda
a terra dêem testemunho de Cristo. E os Sacramentos, sobretudo a Sagrada Eucaristia,
comuniquem e alimentem neles, aquele amor que é a alma de todo o apostolado” (AA 3).
Pio XII dizia: “Os fiéis, e mais propriamente os leigos, encontram-se na linha mais
avançada da vida da Igreja; para eles, a Igreja é o princípio vital da sociedade humana. Por
isso, eles devem ter consciência, cada vez mais clara, não só de pertencerem à Igreja, mas
de serem a Igreja, isto é, a comunidade dos fiéis sobre a terra, sob a orientação do chefe
comum, o Papa, e dos Bispos em comunhão com ele. Eles são a Igreja” (ChL 9).
“Maria exerce sobre o gênero humano uma influência moral que não podemos
definir melhor, senão comparando-a às forças físicas de atração, afinidade e coesão, que
na Natureza unem entre si, os corpos e as partes componentes... Parece-nos ter
demonstrado que Maria tomou parte em todos os grandes movimentos, que constituem a
vida das sociedades e a sua verdadeira civilização” (Petitalot).
2. Absoluta necessidade do Apostolado dos Leigos
Não temos dúvida em afirmar que a saúde moral de uma comunidade católica
depende da presença no seu seio de um grupo numeroso de apóstolos que, embora formado
por leigos, partilha do espírito do sacerdote, assegurando-lhe estreito contato com o povo e
constante controle da realidade. A segurança resulta desta perfeita união entre o sacerdote e
o povo.
Ora, o apostolado exige ardoroso interesse pela prosperidade da Igreja e pela sua
obra, interesse que dificilmente existirá sem o desejo de trabalhar pessoalmente, na
extensão do Reino de Deus. A organização apostólica torna-se assim o molde de
verdadeiros apóstolos.
Onde estas qualidades de apostolado não forem cuidadosamente cultivadas, a nova
geração terá de enfrentar inevitável-
58
[Capítulo 10 Apostolado da Legião página 59]
mente um sério problema: a falta de sincero interesse pela Igreja e a ausência de sentido de
responsabilidade. Deste Catolicismo infantil, o que se poderá esperar? Só está seguro, em
tempo de tranqüilidade. A experiência ensina-nos que, ao menor sinal de perigo, o rebanho
sem energia se deixa dominar pelo desespero, pisoteando, na fuga, até o próprio pastor, ou
é devorado pela primeira alcatéia de lobos que aparece. “Em todos os tempos” – diz um
princípio formulado pelo Cardeal Newman – “os leigos têm sido a justa medida do espírito
católico”.
“Fomentar entre os leigos o sentido de uma vocação própria – eis o
importantíssimo papel da Legião de Maria. Nós, os leigos, corremos o risco de identificar
a Igreja com o clero e os religiosos, a quem Deus concedeu o que chamamos, em sentido
demasiadamente exclusivo, uma vocação. Somos tentados, inconscientemente a olhar-nos
como multidão anônima, salvando-nos por grande sorte, se cumprirmos o mínimo exigido.
Esquecemo-nos de que o Senhor chama as suas ovelhas pelo nome (Jo 10, 3) e que –
usando as palavras de S. Paulo (Gl 2, 20), que como nós não esteve fisicamente presente
no Calvário: – “O Filho de Deus amou-me e se entregou a Si mesmo por mim”. Cada um
de nós, seja ele carpinteiro de aldeia como o próprio Jesus ou uma humilde dona de casa,
como a Virgem Maria, tem uma vocação; é chamado individualmente por Deus a amá-lO e
a servi-lO, a fazer um trabalho particular que outros poderão talvez, realizar melhor, mas
nunca substituir. Só eu e mais ninguém posso dar o meu coração a Deus ou executar o meu
trabalho. Ora, a Legião de Maria cultiva exatamente este sentido pessoal da religião. O
legionário não se contenta com uma atitude passiva ou irresponsável: homem ou mulher,
tem de ser e de fazer alguma coisa por Deus. A religião não é coisa de menor importância,
mas a inspiração da vida inteira, por mais simples que ela seja aos olhos humanos. A
convicção de uma vocação pessoal cria, inevitavelmente, o espírito apostólico, o desejo de
prosseguir a obra de Cristo, de ser outro Cristo, de servi-lO no mais pequenino de seus
irmãos. A Legião é assim o substituto leigo de uma ordem religiosa, a tradução da idéia
cristã de perfeição, na vida dos leigos; a expansão do Reino de Cristo no mundo do dia-adia”
(Alfredo O’Rahilly).
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