quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

CAPÍTULO 40 “IDE POR TODO O MUNDO E PREGAI O

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“IDE POR TODO O MUNDO E PREGAI O
EVANGELHO A TODA CRIATURA”
(Mc 16, 15)
1. O testamento de Jesus Cristo
As últimas palavras de alguém, ainda que pronunciadas no ambiente de agitação e
debilidade da agonia, têm, para nós, um sentido de extrema seriedade. Que pensar, então,
da ordem final de Nosso Senhor aos Apóstolos, chamada a Sua última vontade, o Seu
testamento, transmitido num momento mais solene que o do Sinai – quando finalizava a
Sua missão terrena de legislador e se dispunha a subir ao céu? Revestia-O já a majestade da
Trindade augusta, enquanto ordenava: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda
criatura” (Mc 16,15).
Estas palavras são a chave do Cristianismo. A Fé deve lutar por atingir todas as
pessoas com ardor sem fim. Por vezes falta-
304
[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 305]
lhe esta característica essencial. Não se buscam as pessoas nem dentro nem fora do
rebanho. Desprezando o que Jesus falou por ocasião da Ascensão, pagamos o preço da
perda da graça, da diminuição da Fé e, se não tomarmos cuidado, poderemos até perdê-la.
Quantos já não pagaram este terrível preço?
Quando Jesus Cristo disse toda criatura, queria dizer de fato todas as pessoas.
Diante dos olhos de Jesus estavam todos e cada um em particular – “por quem se deixara
coroar de espinhos, por quem sofrera a cruz, os cravos e a lança, os olhares afrontosos da
canalha, agravos sem conta, angústias sem medida, desfalecimentos e dores agonizantes, a
própria morte no Calvário”. Tanto sofrimento não pode desperdiçar-se. Importa que o
Precioso Sangue chegue a todas as pessoas, a favor das quais foi derramado com tanta
generosidade. É este encargo recebido de Cristo que nos impele energicamente para os
homens do mundo inteiro, onde quer que se encontrem: – para os mais humildes e para os
grandes, para os de perto e os de longe, para a gente vulgar, para os mais perversos, para a
cabana mais distante, para todas as criaturas aflitas, para os tipos diabólicos, o farol mais
isolado, as Madalenas, os leprosos, os esquecidos da fortuna, as vítimas do álcool e do
vício, as classes perigosas, os habitantes das favelas e das ruas, os que se batem no campo
de batalha, os clandestinos, os lugares evitados, os destroços humanos, os antros mais
imundos, as vastidões geladas, o deserto ressecado pelo sol, os sertões mais densos, os
brejos mais sombrios, a ilha desconhecida, a tribo ainda não descoberta; para o
absolutamente desconhecido, a fim de saber se lá vive alguém; até aos pontos mais
elevados da terra, onde mora o arco-íris. Ninguém deve escapar ao nosso cuidado, para que
o meigo Jesus não nos olhe com severidade.
A Legião de Maria deve ter a obsessão desta última ordem do Senhor. Deve
procurar, como primeiro objetivo do seu apostolado, estabelecer um contato de qualquer
espécie com todas e cada uma das pessoas à sua volta em toda a parte. Se o fizer – e pode
fazer – podemos estar certos de que o mandamento do Senhor está em vias de
cumprimento.
Nosso Senhor, note-se, não ordenou que convertêssemos todas as pessoas, mas que
fôssemos ao seu encontro com a palavra da salvação. A conversão pode estar acima das
possibilidades humanas, mas o contato com as pessoas está dentro das nossas
possibilidades. Se realizarmos estes contatos indiscriminadamente com todas as
pessoas, estejamos certos de colher safra abundante. Nosso Senhor não impõe cuidados
desnecessários,
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[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 306]
sem alcance. Quando tivermos levado até o fim a tarefa de contatar todas as pessoas do
mundo, teremos cumprido ao menos o mandamento do Senhor, e isto é o importante. O
resultado pode muito bem ser a renovação do fogo de Pentecostes.
Muitos operários zelosos pensam satisfazer as exigências divinas a seu respeito pelo
fato de trabalharem até ao limite das próprias forças. Infelizmente o esforço isolado de um
só homem não vai longe. Deus não ficará contente com este empenho isolado, nem fará o
bem que tal pessoa deixe de tentar. É que o trabalho religioso deve ser executado como
qualquer outro que excede a capacidade individual, quer dizer, colocando em ação os
homens e organizando-os em número suficiente.
Esse esforço para unir os outros ao nosso próprio esforço é uma parte essencial da
nossa obrigação comum. Esta obrigação pertence não só às figuras mais elevadas da Igreja,
não só aos sacerdotes, mas a cada legionário e a cada católico. Quando as ondas de
apostolado brotarem com força de todos os crentes, assistiremos a um dilúvio universal.
“Haveis de achar que o vosso poder de ação iguala sempre os vossos desejos e os
vossos progressos na fé! Os favores celestes não são como os terrenos. Na recepção dos
dons de Deus não estais sujeitos a medidas ou restrições. A fonte da graça divina corre
sempre sem limitações, sem canais fixos que reprimam as águas da vida. Procuremos com
sede ardente estas águas, abramos os corações para as receber e hão de entornar-se em
nós à medida da nossa fé”. (S. Cipriano de Cartago)
2. A LEGIÃO DEVE DIRIGIR-SE A CADA PESSOA EM PARTICULAR
“Não deixemos que a multidão dos que comungam e se acotovelam ao redor do
altar na Santa Missa nos esconda uma série de contrastes horríveis: famílias inteiras em que
tudo vai mal; bairros inteiros, corrompidos e abomináveis, em que o mal domina como
senhor, rodeado da sua corte. Segundo: Nunca nos esqueçamos de que o pecado nos parece
pior e nos choca mais em tais lugares, mas é duplamente maléfico onde se apresenta
disfarçado. Terceiro: Os frutos maduros do mal revelam-se aí (os frutos pecaminosos do
Mar Morto), mas as raízes escondem-se em todos os recantos do país. Onde quer que a
negligência se
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[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 307]
insinue ou o pecado venial erga a cabeça aí se preparam abominações. Ao apóstolo, esteja
onde estiver, nunca falta trabalho. Mesmo que não fizesse mais do que dirigir algumas
palavras de consolo a um pobre enfermo numa enfermaria, ou ensinar duas ou três crianças
a fazerem o sinal da cruz e a balbuciarem uma resposta à pergunta: “Quem criou o
mundo?” – descarregaria um rude golpe, talvez sem disso se aperceber, sobre todas as
maquinações do mal. Quarto (e este ponto constitui uma mensagem de esperança para o
operário apostólico demasiadamente propenso a desanimar perante os males gravíssimos):
Mesmo a onda de desordens acima descrita não é incurável. Tem remédio – um remédio
único: a aplicação intensa e paciente dos meios sobrenaturais de que dispõe a Igreja.
Debaixo da crosta de depravação, cujo esboço nos horroriza, existe uma centelha de
fé, que nos melhores momentos anseia pela virtude. Surja, então, uma alma compreensiva
que acarinhe, anime, fale de coisas mais altas e infunda a esperança luminosa de que tudo
pode ser reparado, e até a vítima mais perversa poderá ser conduzida aos pés do sacerdote e
receber os Sacramentos. Recebidos estes, operou-se uma transformação espiritual, cujos
efeitos salutares nunca mais se hão de apagar por inteiro. Freqüentemente, o grande poder
de Jesus Cristo, manifestado através dos Sacramentos, é tão extraordinário que ficamos
atônitos, em face de vidas totalmente transformadas que recordam, de longe, a milagrosa
conversão de Agostinho ou de Madalena.
Para outros a cura será menos prodigiosa: a inclinação para os maus hábitos e outras
más influências do passado serão irresistíveis; as pobres vítimas hão de cair e recair para se
levantarem de novo. É provável que nunca cheguem a ser o que poderíamos chamar de
bons cidadãos; no entanto, o elemento sobrenatural influirá provavelmente o suficiente nas
suas vidas para os conduzir ao porto de salvação. O grande objetivo de todos os esforços
terá sido alcançado.
De fato, raros serão os fracassos para o legionário de fé simples e corajosa, sejam
quais forem os locais em que trabalhe, mesmo que seja nos lugares piores e mais escuros. A
norma a adotar é simples: propagai a freqüência dos Sacramentos e as devoções populares,
e o pecado desaparecerá diante de vós. Fazei bem por toda a parte e a todos edificareis;
basta romper a frente inimiga num ponto qualquer para ela ruir. Preparai as armas,
conforme as necessidades do momento. Por exemplo: Moram num prédio seis famílias
afastadas da Santa Missa e dos Sacramentos, mos-
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[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 308]
trando-se resistentes a todos os conselhos. Devemos insistir a fim de conseguir o mínimo de
colaboração, mesmo que seja de uma só. Procuremos fazer a Entronização do Sagrado
Coração de Jesus, e já teremos ganho uma parte da luta. Jesus fará o resto do trabalho.
Conquistando essa família, e outras lhe seguirão o exemplo. Verificareis com alegria que as
almas que mutuamente se haviam arrastado ao vício pelos maus exemplos se animarão
umas às outras, na prática da virtude” (Padre Miguel Creedon, primeiro Diretor Espiritual
do Concilium Legionis Mariae).
“Este ladrão roubou o Paraíso! Ninguém, antes dele, recebera promessa
semelhante; nem Abraão, nem Isaac, nem Jacob, nem Moisés, nem os Profetas, nem os
Apóstolos; o ladrão arrebatou o primeiro lugar. Mas a sua fé também excedeu a de todos
eles! Viu a Jesus em tormentos e adorou-O como se estivera radiosos na glória; viu-O
cravado na cruz e implorou-O como se Ele estivera assentado no trono; viu-O condenado
e rogou-lhe como a Rei. Ó admirável ladrão! Viste um homem crucificado e proclamaste-
O Deus.” (S. João Crisóstomo)
3. O ESPECIAL RELACIONAMENTO COM NOSSAS IGREJAS IRMÃS DE
TRADIÇÃO ORTODOXA
A missão de levar a mensagem de Jesus Cristo a cada pessoa que, nas palavras do
Papa Paulo VI, é “função essencial da Igreja” (EN 14), é estreitamente ligada àquele outro
grande compromisso da Igreja que é a busca de reconciliação e da unidade entre os cristãos.
Recordamos, aqui, a oração de Nosso Senhor na Última Ceia, “...que todos sejam um.
Como tu, Pai, está em mim e eu em ti, que eles estejam em nós, para que o mundo creia que
tu me enviaste”. (Jo 17, 21)
A partir do Concílio Vaticano II (1962-1965), a Unidade Cristã é uma das grandes
prioridades da Igreja Católica Apostólica Romana para os nossos tempos, porque como o
mesmo Concílio aponta: “Esta divisão, sem dúvida, contradiz abertamente a vontade de
Cristo, e se constitui em escândalo para o mundo, como também prejudica a santíssima
causa da pregação do Evangelho a toda criatura” (UR 1).
No contexto do que está escrito acima, a seguinte citação da Carta Apostólica
“Orientale Lumen” do Papa João Paulo II, escrita como ajuda para restaurar a Unidade com
todos os cristãos do Oriente, é de máxima importância:
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[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 309]
“Visto que, de fato, acreditamos que a veneranda e antiga tradição das Igrejas
Orientais é parte integrante do patrimônio da Igreja de Cristo, a primeira necessidade para
os católicos é conhecê-la para se poderem nutrir dela e, na maneira possível, cada um
favorecer o processo da unidade.
Os nossos irmãos orientais católicos têm viva consciência de que são portadores,
juntamente com os irmãos ortodoxos, desta tradição. É necessário que também os filhos da
Igreja Católica de tradição latina possam conhecer em plenitude este tesouro e sentir assim,
juntamente com o Papa, a paixão para que seja restituída à Igreja e ao mundo a
manifestação plena da catolicidade da Igreja, que não se exprime apenas por uma única
tradição, nem tampouco por uma comunidade contra a outra; e para que também a todos
nós seja concedido saborear plenamente aquele patrimônio divinamente revelado e indiviso
da Igreja universal que se conserva e cresce na vida tanto das Igrejas do Oriente como
naquelas do Ocidente”. (Nº 1)
Ainda sobre as Igrejas Ortodoxas o Santo Padre disse:
“Um laço particularmente estreito já nos une. Temos em comum quase tudo; e
sobretudo temos em comum o anélito sincero da unidade”. (Nº 3)
As Igrejas Ortodoxas são verdadeiramente Igrejas Irmãs. Devemos promover de
todas as maneiras possíveis a reconciliação e unidade entre nós conforme a vontade de
Cristo e conforme as orientações do documento “Unitatis Redintegratio” do Concílio
Vaticano II.
Nos próximos parágrafos deste capítulo, o que for dito em referência à conversão
daqueles que não são católicos não se refere aos nossos irmãos e irmãs das Igrejas
Ortodoxas.
4. À PROCURA DE CONVERSÕES PARA A IGREJA
“A Igreja só tem uma razão de existir”, declara solenemente Pio XI: “a extensão ao
mundo inteiro do Reinado de Cristo, para que todos os homens participem dos frutos da
Redenção”. Como é triste, pois, que os católicos vivam no meio de multidões estranhas à
Igreja e façam tão pouco ou nada para as atrair ao seio dela. Este descuido nasce, às vezes,
por nos deixarmos esmagar pelo problema da assistência ao rebanho católico, es-
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[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 310]
quecendo que os de fora são parte integrante do mesmo problema. Será para admirar que no
fim nem se conservem os de dentro nem se façam entrar os de fora?
Não nos criemos ilusões: temos de levar a Fé ao conhecimento do todos quantos
vivem fora da Igreja. A timidez, o respeito humano, os obstáculos, qualquer que seja sua
natureza, hão de ceder diante do desejo intenso de partilhar com quem não o possui o
inestimável tesouro da Fé. É necessário pregar o Evangelho a toda criatura. Os esforços
despendidos neste sentido devem ser semelhantes aos de um homem fora de si, no entender
de S. Francisco Xavier. Mas outros aconselharão prudência! Sim, há muita coisa
dependente desta virtude, mas dentro dos seus limites. A prudência tem o objetivo de
proteger a atividade necessária e não o objetivo de paralisá-la. Numa organização, a
prudência não pode ser considerada o motor; ela é o freio, que dever ser usado apenas
quando necessário. Alguns querem a todo o custo fazer dela a força principal da
organização e depois se espantam ao ver a falta de ação a que se chegou. Precisamos de
pessoas fora de si, que não pensem em rodear-se de cuidados exagerados, que desprezem o
medo, que não se enganem sobre a falta de prudência ou a tão comentada prudência a que
Leão XIII chamava de exageros criminosos. O tempo passa, arrastando as pessoas no
redemoinho de sua corrente violenta. Vamos em seu auxílio, pois que, se nos demorarmos,
poderemos salvar outras pessoas, mas não essas: terão sido engolidas pelo abismo da
eternidade.
“À força de repetir que as pessoas não estão dispostas a receber o Evangelho, acabase
por não estar disposto a propagá-lo” (Cardeal L. J. Suenens).
Fora da Igreja, os homens são sacudidos pelas ondas da dúvida e desejam repouso;
precisam de alguém que os esclareça e lhes aponte, na Igreja, a Fé e a calma por que
suspiram. A primeira coisa a fazer, para os convencer disto, é abordá-los pessoalmente.
Como entenderão eles a verdade, se ninguém lhes ensinar? (At 8, 30-31). Como poderão
livrar-se dos preconceitos e dúvidas sobre a religião, se nós, os católicos, permanecemos
em silêncio sobre esse assunto? Como poderão os inimigos da Igreja sentir o ardor da nossa
Fé, se exteriormente somos frios e indiferentes? Diante de uma Fé sem entusiasmo e que
transparece tão raramente, os incrédulos poderão concluir que não há diferença entre eles e
os católicos.
Há uma tendência para pensar que é suficiente lançar aos quatro ventos as
pretensões católicas através dos meios de comunicação social e de discursos em
assembléias públicas. De fato,
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[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 311]
porém, não é assim: a eficiência da comunicação das verdades da Fé depende do maior ou
menor contato pessoal. Se o número de conversões estivesse em proporção com o alcance
dos processos científicos modernos de publicidade, como os já citados, a época tecnológica
atual deveria ser testemunha de conversões em grande escala. Ora, a verdade dolorosa é que
custa a manter, sem perder ovelhas, o próprio rebanho católico.
Não! Para atuar com proveito sobre as pessoas é necessário abordá-las
pessoalmente, intimamente. Os meios de comunicação social poder servir para acordar os
espíritos ou apoiar uma campanha a favor do retorno das “outras ovelhas” ao rebanho do
Bom Pastor, mas o centro de todas as atividades deve ser o apelo direto de uma a outra
pessoa. Para uma pessoa elevar outra é necessário atraí-la a si; eis uma lei do mundo
espiritual, declarava Frederico Ozanam. Ou, por outras palavras: é preciso exercer a
caridade; o dom sem o doador será sempre incompleto. Católicos há, infelizmente, que se
comportam, muitas vezes, como se nada pudessem. Imaginam os de fora da Igreja
firmemente presos aos seus preconceitos e ignorância para poderem ser conquistados. Sem
dúvida que os preconceitos são numerosos, tradicionais, herdados e fortalecidos pela
educação. Com que armas, então, enfrentará o católico comum as forças organizadas da
descrença? Que não tenha medo! Na doutrina da Igreja, na sua exposição mais simples,
dispõe de uma espada fulgurante, cuja eficácia o Cardeal Newman realça em nobres
termos: “Sinto vibrar em mim, intensamente, o poder conquistador da verdade portadora da
bênção de Deus, da verdade cujo triunfo o demônio poderá retardar mas nunca impedir”.
Nunca esqueça também este outro princípio que não deve desmentir com o seu
procedimento: “A verdade, no combate com o erro, nunca se irrita. O erro, ao contrário,
nunca conserva a serenidade na luta com a verdade” (De Maistre). O acesso às pessoas,
como insistentemente temos repetido no decorrer destas páginas, tem de ser o ensinado pelo
Divino Pastor, em circunstâncias semelhantes. Nada de discussões e de orgulho. Que todas
as palavras respirem humildade, afeto e sinceridade. Em resumo: tanto as ações como as
palavras hão de mostrar-se fruto espontâneo de uma fé verdadeira. Deste modo, poucas
vezes serão mal recebidos e deixarão sempre nas pessoas uma impressão profunda que,
com freqüência, se desenvolverá em frutos de conversão.
“Devemos recordar-nos sempre”, diz Mons. Williams, antigo Arcebispo de
Birmingham, “de que a religião não se ensina,
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[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 312]
comunica-se. É uma chama acesa numa alma por outra alma; difunde-se apenas pelo amor.
Aceitamo-la daqueles que consideramos nossos amigos. Quem nos for indiferentes ou
parecer agressivo não venha recomendar-nos a religião”.
Dada a necessidade de contato direto, cada operário apostólico não pode encarregarse
de muitos casos. Para que as conversões se tornem numerosas, requerem-se numerosos
operários. Daí a imperiosa urgência em multiplicar os legionários.
Seja qual for o método adotado, preste-se atenção ao seguinte:
a) Dediquem-se ao estudo, não com a finalidade de mera discussão, mas para
estarem prontos a auxiliar aqueles que busquem sinceramente a verdade.
b) Velem pelos convertidos. De modo que estes se certifiquem de que são
amparados pelos seus amigos católicos, ou alistem-nos na Legião, caso reúnam as
condições exigidas. Ninguém mais capaz do que eles para resolver as dificuldades dos seus
antigos companheiros.
c) Informados por aqueles cuja especialidade é o ensino dos não-católicos, de que
alguns, tendo começado a instruir-se na religião, desanimaram, os legionários irão à sua
procura. A experiência indica que, geralmente, não é a falta de desejo de se tornarem
católicos, mas, sim, um conjunto de fatos acidentais que os levaram a interromper a
instrução; depois a timidez e o adiamento explicam as ausências.
d) As oportunidades para um contato verdadeiro com não-católicos serão
numerosas, contanto que os legionários tratem com eles naturalmente, de forma cristã. Aos
católicos cheios de dúvidas, aflitos ou perturbados, o legionário aconselhará a oração ou a
leitura de um bom livro que os possa ajudar. Fale-lhes do amor de Deus e da maternidade
de Maria, o que lhes servirá de conforto e de estímulo. Podem utilizar-se, de modo
semelhante, com proveito, os períodos freqüentes de provação na vida dos não-católicos
(doença, morte na família, etc.), mas, infelizmente, não se faz caso disso. A religião é tabu.
Os sentimentos mundanos por nós expressos não consolam, não manifestam a fé, nem farão
qualquer bem. Que os legionários aproveitem estas excelentes oportunidades de
aproximação. Quando, em tais circunstâncias, as barreiras normais são tiradas, as pessoas
rece-
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[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 313]
bem com reconhecimento palavras de conforto espiritual capazes de produzir muitos frutos.
e) Em muitos lugares se estabeleceu já o costume de um dia de retiro para nãocatólicos.
O programam compreenderá: missa, três conferências, uma sessão com discussão
livre dos assuntos que os retirantes propuserem, almoço, chá, Bênção do Santíssimo, e, por
vezes, um filme comentado por pessoa capaz. Se, para o retiro, se conseguir uma Casa
Religiosa, teremos um ambiente ideal, que muito contribuirá para desfazer falsas idéias e
preconceitos sobre a Igreja Católica.
Eis como se tem feito, nesta matéria, até o presente: fixa-se um dia para o retiro, e
imprimem-se os cartões de convite com o horário no verso. Estes são apresentados aos nãocatólicos
pelos legionários do bairro ou por outras pessoas, a quem se pede ajuda e a quem
se explica o objetivo do retiro. Não se esqueçam de usar de psicologia para obter melhores
resultados. De forma nenhuma devem ser distribuídos indiferentemente, como se fossem
simples avisos. Tenham uma lista das pessoas a quem entregaram os cartões, e procurem
verificar, depois, se foram realmente distribuídos. Os convites devem ser dirigidos só às
pessoas que ofereçam alguma esperança de os aceitar.
Ao receber o cartão, o legionário ou outra pessoa aceita o encargo de encontrar um
voluntário para o retiro. Enquanto não conseguir, o cartão em seu poder é uma prova de
acusação e, ao mesmo tempo, a lembrança evidente de um encargo não cumprido.
É costume cada não-católico ser acompanhado pelo amigo católico que serviu de
intermediário para o trazer ao retiro. O propósito de semelhante medida é levar o nãocatólico
a sentir-se em família durante os exercícios espirituais, responder a qualquer
pergunta e animá-lo a recorrer ao sacerdote no curso do dia. O silêncio não é obrigatório.
Os retiros estão abertos quer a homens quer a senhoras. Devem manter-se na sua finalidade
própria, excluindo, por conseqüência, tanto os convertidos como os católicos negligentes.
Quanto mais numerosos forem os convidados, maior será o número dos retirantes;
quanto maior for o número destes, maior será o número dos que entram no seio da Igreja. A
experiência já comprovou que existe uma proporção entre os diversos elementos desta
seqüência. Por conseguinte, a duplicação do número inicial de convites, que esteja
claramente dentro das nossas possibilidades, duplicará o número de conversões.
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[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 314]
“Que todos sejam um só. Como tu, ó Pai, estás em mim e Eu em Ti, que também
eles estejam em nós.” (Jo 17, 21)
“Ponde de lado a contribuição da Santíssima Virgem para o testemunho evangélico,
apagai o seu testemunho do Cristianismo, e verificareis que não se trata apenas de um elo
partido, mas da falta do eixo em que girava a cadeia inteira; que não se trata de um buraco
ou de uma fenda no edifício, mas da ruína dos próprios alicerces. A fé de todas as idades e
de todos os povos nos prodígios da Encarnação assenta num só testemunho, numa só voz –
o testemunho de Maria!”. (Cardeal Wiseman: As Ações do Novo Testamento)
5. A SAGRADA EUCARISTIA, INSTRUMENTO DE CONVERSÃO
Muitas vezes, perde-se muito tempo com argumentos e discussões que, mesmo
tendo algum proveito, não conseguem atrair as pessoas ao seio da Igreja. Quando
discutimos, deveríamos ter sempre como propósito levar os de fora da Igreja a perceber as
riquezas incalculáveis que ela encerra. Ora, não há meio mais eficaz para conseguir tal
finalidade do que apresentar a doutrina católica da Eucaristia.
Mesmo aqueles que conhecem Jesus, ainda que de modo confuso e imperfeito, Lhe
rendem uma profunda admiração. Baseados apenas no testemunho humano, confessam que
Ele exerceu um poder sem igual sobre a natureza: obedeceram-Lhe os ventos e as águas
revoltas; os mortos ressuscitaram; e as doenças desapareceram de forma completa. E tais
maravilhas operou-as Jesus Cristo por Sua autoridade e poder, pois, além de ser homem,
Ele era o Deus Eterno, Criador de todas as coisas, cuja palavra é onipotente.
As Sagradas Escrituras contam-nos como, em certa ocasião, o Homem Deus – entre
muitos outros inumeráveis prodígios – operou o milagre suavíssimo da Eucaristia. “Jesus
tomou o pão, benzeu-o, partiu-o e deu-o a seus discípulos, e disse: Tomai e comei, isto é o
meu Corpo” (Mt 26, 26). Eis as poderosas palavras da Escritura, cujo sentido muitos não
compreenderam. “Dura é esta linguagem e quem a pode ouvir?” (Jo 6, 60). A dúvida, que
brotou dos lábios de alguns dos próprios discípulos de Jesus Cristo, ecoou pelos séculos
afora, causando às pessoas um prejuízo imenso: “Como pode este homem dar-nos a comer
a sua carne?” (Jo 6, 52).
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[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 315]
Quase se podia perdoar a estes discípulos a sua incredulidade: não haviam
compreendido a verdadeira natureza da pessoa que se encontrava no meio deles. Que
sombra, porém, irá escurecer as inteligências daqueles que reconhecem a divindade e,
portanto, a onipotência de Jesus Cristo? Dirigir-se a gente simples, de modo solene, e dizerlhes:
“Isto é o meu corpo”, para significar precisamente o contrário: “Não, isto não é o meu
corpo” – não seria uma farsa, e, por conseqüência, uma atitude impossível para uma Pessoa
Divina? Conformem-se, então, com a lógica implacável de Pascal: “Como eu detesto os
que não crêem na Eucaristia! Se o Evangelho é verdadeiro, se Jesus Cristo é Deus – que
dificuldade pode haver em acreditar?”
É impossível apresentar aos homens a doutrina prodigiosa da Eucaristia, sem
despertar vivamente a sua atenção. Mostrar bem alto e com persistência, diante dos olhos
de nossos irmãos separados, esta glória da Igreja, é forçá-los a considerar a sua
possibilidade, e muitos deles, pessoas sinceras, hão de dizer de si para consigo: “Se isto é
verdadeiro, que imenso dano eu sofri até o presente!” E com a angústia deste pensamento
virá o primeiro impulso sério para o verdadeiro lar.
Fora da Igreja, numerosas pessoas lêem as Escrituras e, por meio da meditação e
oração fervorosas, esforçam-se por arrancar a figura admirável de Jesus às sombras do Seu
passado histórico; enchem-se de alegria quando, em imaginação, conseguem criar um
quadro vivo do Divino Mestre entregue às Suas obras de amor. Oxalá essas pessoas
entendessem que na Igreja Católica existe a maravilha da Eucaristia, capaz de introduzir na
esfera das suas vidas diárias o mesmo Jesus, todo inteiro, na realidade da Sua natureza
humana e divina. Se elas soubessem que por este meio O poderiam tocar, falar-Lhe,
contemplá-lO e ocupar-se d’Ele mais de perto, mais intimamente do que os Seus amigos de
Betânia! E muito mais: comungando em união com Maria, poderiam dispensar com
generosidade ao Corpo Divino os amorosos cuidados de uma terna Mãe e, assim, de certo
modo, agradecer-Lhe plenamente tudo o que fez por cada uma delas. Basta com certeza
expor às multidões fora da Igreja o incomparável dom da Eucaristia para as levar a suspirar
pela Luz. A este anseio responderá Jesus, dando-lhes a compreensão das coisas que Lhe
dizem respeito. E, como aos discípulos de Emaús, as Suas palavras divinas hão de abrasar
os corações, esclarecendo-os sobre o significado desta “expressão dura”: “Tomai e comei:
isto é o meu corpo” (Mt 26, 26); e os seus olhos hão de abrir-se e reconhecê-lO na fração
do Pão Divino (Lc 24, 13-35).
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[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 316]
A fé na Eucaristia fará com que os mal-entendidos e preconceitos que adormeciam
as inteligências e dificultavam a contemplação das coisas celestiais se derretam como
flocos de neve aos raios de um sol ardente. E quem até então andava em trevas exclamará
com a alma a transbordar de alegria: “O que eu sei é que era cego e agora vejo” (Jo 9, 25).
“Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento é Maria recebendo, na sua qualidade
de dispenseira universal da graça, o pleno e absoluto domínio sobre a Eucaristia e sobre
os tesouros que ela encerra. Este Sacramento é o mais poderoso meio de salvação, o fruto
por excelência da redenção de Jesus Cristo. A Maria compete, por conseqüência, tornar
Jesus conhecido e amado na Eucaristia. A Maria pertence espalhá-la pelo mundo inteiro,
multiplicar as igrejas, implantá-las entre os infiéis e defender a Fé neste Sacramento
contra os heréticos e os ímpios. Obra de Maria é também preparar as pessoas para a
Comunhão, movê-las a visitar com freqüência o Santíssimo Sacramento e a velar
incessantemente diante d’Ele. Maria é a tesoureira de todas as graças que a Eucaristia
encerra: de todas quantas a este Sacramento conduzem e de todas as que deste
Sacramento dimanam”. (Tesnière: Mês de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento)
6. AS POPULAÇÕES SEM RELIGIÃO
A falta de religião em grande escala é um enorme problema. Em muitos dos grandes
centros populacionais, encontram-se bairros inteiros católicos apenas de nome, com uma
vida em que a Missa, os Sacramentos e até a oração para nada contam. Investigações
recentes vieram mostrar que num centro de 20.000 habitantes só 75 eram católicos
praticantes; noutro caso, de 30.000 pessoas, 400 somente participavam da Santa Missa; e
num terceiro caso, de 900.000 apenas 40.000.
Com muita freqüência, em tais áreas a falta de religião agrava-se, alastra-se
tranqüilamente, sem que nenhum esforço seja feito para impedir-lhe o avanço. Dirigir-se
diretamente às pessoas, argumenta-se, seria inútil e provocaria mágoas ou poderia ser
perigoso! E, coisa incrível, tais motivos parecem convencer quantos acham normal que os
missionários vão até aos confins da terra, enfrentando perigos e, até, a própria morte.
O mais triste ainda é que, em semelhantes localidades, o clero está praticamente
impossibilitado de acercar-se diretamen-
316
[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 317]
te das pessoas. Por uma terrível confusão de circunstâncias, a fúria da impiedade revolta as
suas vítimas contra os representantes de Deus que as pastoreiam e provoca a sua expulsão.
É então que se manifesta o excepcional valor da Legião. Representa o sacerdote e executa
os seus planos; e, no entanto, é do povo, vive a vida do povo e não pode ser isolada do
povo. Os maus nunca conseguirão destruir-lhe o trabalho ou atrapalhar-lhe a aproximação
das pessoas pela cortina espessa de mentiras, tecidas com tanta facilidade contra o clero e
os religiosos que vivem à parte.
“Que dará o Homem em troca da sua alma?” (Mc 8, 37). – Que esforços deverá
fazer o homem para salvar o próximo? Esforços supremos, sem dúvida, arriscando, se
preciso for, a própria vida. As grandes áreas sem religião devem ser evangelizadas com não
menos energia que os distantes países de infiéis. Será que devemos ignorar, por isso,
totalmente, os gritos que se levantam de todos os lados: “não tem remédio”, “perigoso”? De
modo algum! Possivelmente, há palavras que podem contribuir para o êxito e proteção dos
legionários. Mas nunca se há de permitir que os seus gritos paralisem o ataque. Para se
deslocarem enormes montanhas de malícia requer-se da nossa parte uma fé firme: fé
semelhante à de Santo Inácio de Loyola, cuja confiança em Deus era tamanha que estava
disposto a aventurar-se ao mar, em barco sem remos e sem velas.
E verificaremos que o legionário não terá de enfrentar o martírio, mas que o
aguardam assinalados triunfos. Quantas pessoas não esperam pelo seu primeiro apelo
direto.
Um método de aproximação. Em situações semelhantes às que foram comentadas
acima, em que as pessoas desconhecem os mais simples aspectos da vida cristã, os
legionários devem mostrar, em primeiro lugar, a necessidade da participação na Santa
Missa. Tenham em mãos, para isso, folhetos que expliquem em linguagem simples, a
beleza e o poder da Missa. Se o folheto tiver uma imagem colorida a ilustrar o assunto,
despertará maior interesse. Com este folheto, os legionários visitarão as famílias, casa por
casa, entregando-o a todas as pessoas de boa vontade. Hão de acompanhar este ato, onde
for possível, de um delicado incentivo sobre a participação no Santo Sacrifício. A atitude
dos legionários, inútil recordá-lo, deve ser sempre de uma infinita amabilidade e paciência,
sem perguntas curiosas ou repreensões de qualquer gênero.
317
[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 318]
As muitas recusas que de início poderão receber serão depressa compensadas por
êxitos numerosos e imediatos. As visitas serão feitas em conformidade com o método
legionário, tendo como propósito estabelecer relações amigas com as pessoas visitadas.
Conseguida esta finalidade, a partida estará quase ganha.
Cada conversão individual ou regresso à prática dos Sacramentos deve ser para os
legionários o que a conquista de uma posição estratégica inimiga é para os soldados em
tempo de guerra, pois que uma traz sempre outra consigo. À medida em que as conversões
se multiplicam, modifica-se a opinião pública. Na vizinhança todos têm os olhos nos
legionários: fala-se, critica-se, reflete-se, e os corações gelados começam a se aquecer. Os
anos vão passando um após o outro com numerosas conversões; e, com o passar do tempo,
a atitude geral do povo para com a religião pode parecer não ter sofrido mudança, – até que
um dia, acontece alguma coisa inesperada e percebemos que aquela resistência existente cai
por terra. E, então, como um tecido que parece em bom estado, mas está roído pelas traças,
os corações, que pareciam duros, de repente se voltam para Deus.
O resultado do esforço. – Numa cidade, calculada em 50.000 habitantes, poucos
católicos praticantes se encontrariam. Anormalidades de todo tipo vinham complicar o
estado de completa indiferença religiosa em que se vivia. O sacerdote que se aventurasse a
atravessar muitos dos seus bairros era infalivelmente insultado. Com grande espírito de fé,
fundou-se ali um Praesidium; e, embora os esforços parecessem inúteis, iniciaram-se as
visitas legionárias a domicílio. Surpreenderam os resultados imediatos, que foram
aumentando em número e importância à medida em que os legionários se multiplicavam e
adquiriam experiência. Depois de três anos de inesperados triunfos, as Autoridades
Eclesiásticas atreveram-se a convocar os homens para uma comunhão geral, esperando, na
melhor hipótese, reunir uns 200. Ora, os comungantes elevaram-se a 1.100, sinal evidente
de que a população havia sido profundamente sacudida por três anos de apostolado.
A vitória final está à vista e a nova geração nascerá numa ordem de coisas
completamente diferente. A piedade reinará onde outrora todos desprezavam a Santa Missa
e zombavam dos ministros de Deus. E por que é que outros centros populosos, que sofrem
dos mesmos males, não se utilizam do mesmo remédio?
318
[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo
[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 319]
“E Jesus, respondendo, disse-lhes: ‘Tende fé em Deus. Em verdade vos digo que
todo o que disser a este monte: sai daí e lança-te no mar, e não hesitar no seu coração,
mas acreditar que o que diz vai se realizar, tudo o que disser será feito. Por isso vos digo:
todas as coisas que pedirdes, orando, crede que as haveis de conseguir e obtê-las-eis.’”
(Mc 11, 22-24)
7. A LEGIÃO, AUXILIAR DO MISSIONÁRIO
Situação Missionária
Por Atividade Missionária, queremos significar aqui todo o trabalho apostólico
dirigido a pessoas e grupos que ainda não conhecem Jesus Cristo ou não acreditam n’Ele,
entre os quais a Igreja não lançou raízes ou cuja cultura não foi tocada pelo Cristianismo.
Importam tomar consciência de que entre os povos a serem evangelizados existem
grandes diferenças, a nível de cultura, de educação e de condições sociais. Mesmo dentro
das fronteiras de uma nação, podemos encontrar cidades muito povoadas e comunidades
rurais dispersas. Haverá certamente diferenças entre ricos e pobres, entre pessoas de
elevada cultura e analfabetos, entre raças e línguas.
O número global das pessoas que não conhecem Jesus Cristo cresce mais
rapidamente que o número de crentes.
É neste vasto campo que atua o missionário – sacerdote, religioso ou leigo. Vindo
de fora, é brecado na sua ação pela diferença de raça, de língua e de cultura. A experiência
e a preparação podem facilitar o trabalho, mas dificilmente remover os obstáculos.
Num território aberto pela primeira vez ao trabalho apostólico, a sua tarefa consiste
em fundar comunidades cristãs locais que, depois de crescerem e de se tornarem Igrejas
auto-suficientes, se convertam em centros de irradiação missionária.
Inicialmente, o missionário procurará criar rapidamente uma rede de contatos e de
amigos. Onde for possível, há de estabelecer os serviços necessários – escolas, clínicas
médicas, etc. – para testemunhar a fé cristã e facilitar os contatos. Entre os convertidos,
selecionará os catequistas e outro pessoal da Igreja.
O missionário e o catequista local podem instruir apenas aqueles que desejarem ser
instruídos. Criar este desejo é, propriamente falando, converter. Abaixo de Deus, este
desejo surge
319
[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 320]
normalmente do contato com um leigo católico, e, mais tarde, com o sacerdote. É um
crescimento gradual na amizade e confiança. “Venho falar com Vossa Rev.ma porque
conheço um católico”, costumam dizer, os interessados, ao sacerdote.
Ao missionário aflito, a Legião oferece-se como instrumento provado para cativar
convertidos e garantir a sua perseverança. Membros de uma comunidade local, tendo
inicialmente o missionário como Diretor Espiritual, os legionários instruirão, formarão e
levarão os neo-convertidos a evangelizar contínua e metodicamente. Não vêm de fora,
como o missionário. Vivem no local para, com a devida formação, atuarem como luz, sal e
fermento da comunidade, como os primeiros cristãos.
Desenvolvimento da Legião
À medida em que o número e a qualidade dos legionários crescerem, será
necessário, para garantir o treino conveniente, aumentar o número de Praesidia. Talvez
cada um dos sacerdotes possa assumir a direção espiritual de mais de um grupo. Lance-se
mão, se possível, de catequistas e outras pessoas com experiência, como presidentes, para
treinar e animar os Praesidia. Cada novo Praesidium serão mais dez a vinte soldados da fé
em ação.
O bom êxito de semelhante política de multiplicação dos Praesidia fará, com o
tempo, que cada sacerdote possa organizar as atividades de numerosos trabalhadores
apostólicos. Cada pároco desempenhará então, no campo que lhe foi confiado, funções
semelhantes às do Bispo na sua diocese. Quanto ao bispo, estará na posse de uma
numerosíssima e irresistível fileira de trabalhadores pela fé. Com eles e através deles
poderá pregar o Evangelho a todas e cada uma das pessoas do território de que é
responsável.
O que aqui se propõe não é um plano imaginário, mas o fruto de numerosos anos de
frutuosas experiências de evangelização nas terras de missão, sob as mais variadas
condições.
Um dever concreto para cada legionário
A todo legionário se dará uma tarefa bem definida. Examine-se o conjunto da tarefa
a ser realizada e então dividam-se as tarefas e responsabilidades. Cada um terá a sua e será
responsável por seu cumprimento. Faça-se compreender aos legionários que, na realização
dos seus trabalhos apostólicos, se colocam ao
320
[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 321]
serviço do sacerdote. Através deste, estão em comunhão com a Igreja. Um dos principais
objetivos do sistema da Legião será convencer cada legionário desta responsabilidade e
prepará-lo para a cumprir honrosamente.
Entre os trabalhos que os legionários podem convenientemente assumir nas
situações missionárias, assinalemos os seguintes:
a) preparar as visitas periódicas do missionário a postos isolados;
b) instruir os catecúmenos, procurar novos candidatos e animá-los a uma assistência
regular;
c) estimular os católicos descuidados e os indecisos a voltarem à perfeita prática da
fé;
d) orientar as funções paralitúrgicas;
e) atuar como Ministros Extraordinários (da Eucaristia, etc.);
f) cuidar das necessidades espirituais dos moribundos e do seu posterior funeral
cristão. As necessidades locais hão de sugerir outros exemplos de obras de misericórdia
espirituais e corporais.
Será necessário que os legionários sejam instruídos?
O grau de conhecimento religioso exigido depende do trabalho apostólico
solicitado. Para converter e animar os convertidos a perseverar, basta um conhecimento das
bases da fé. O rápido crescimento da Igreja nos primeiros tempos do cristianismo é um
exemplo claro disso. Em muitos casos, as conversões foram operadas por membros
humildes, fracos e oprimidos da sociedade poderosa, rica e letrada em que viviam. Não se
trata, evidentemente, de uma instrução metódica propriamente dita, que é sempre
necessária, mas do esforço de um coração para derramar em outro coração o dom supremo
que possui. Isto acontece plenamente quando se trata de igual para igual, mas a experiência
mostra que as barreiras sociais podem ser ultrapassadas com facilidade.
Por mais imperfeitos que sejam os seus conhecimentos religiosos, todo
católico convicto forma uma certa idéia da sua fé e é capaz de a comunicar a outra
pessoa, a quem procure influenciar. Para exercer essa capacidade, porém, precisa da
força de uma organização ou de outro forte impulso. O sistema legionário comunica
essa força capaz de nos pôr em ação, apresentando uma motivação e um trabalho
concreto de caráter apostólico a fazer. Em virtude da formação recebida, o
legionário, por sua iniciativa, é capaz de estar atento às oportunidades de comunicar
a sua fé.
A Legião é Maria em atividade. – Introduzir a Legião é aplicar à obra das Missões duas
fontes de energia: a) o princípio
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[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 322]
de uma organização metódica, que traz consigo um aumento de interesse e de eficiência; b)
e o elemento poderosíssimo da influência maternal de Maria, que a Legião atrai em
plenitude pelo seu sistema marial, e derrama nas almas mediante o seu apostolado intenso.
Na verdade, sem a união com Maria, é impossível a propagação da Fé. Esforços, a que ela
não presida, são como azeite sem lâmpada. Não estará, porventura, na insuficiente
valorização desta verdade o motivo de serem poucos os magníficos triunfos da Fé, em
nossos dias? Nos primeiros séculos do Cristianismo, convertiam-se rapidamente nações
inteiras; e São Cirilo não hesitava em declarar no Concílio de Éfeso que todas as
conversões a Cristo eram obra de Maria. O grande Padroeiro das Missões, S. Francisco
Xavier, apelando para a sua experiência pessoal atestava que, onde não colocara aos pés da
cruz do Salvador a imagem de Sua Divina Mãe, os habitantes tinham acabado por se
revoltar contra o Evangelho que lhes levara.
Em suma: se a frutuosíssima influência de Maria pudesse exercer-se nos países de
missão através do apostolado legionário, por que não haveríamos de esperar o retorno dos
dias gloriosos de que fala São Cirilo, em que nações e territórios inteiros, abandonando os
seus erros, abraçariam alegremente a Fé cristã?
“Que presunção louca ou sublime e celeste inspiração se apoderou destes humildes
pescadores! Considerai por um instante a sua arrojada empresa! Nunca príncipe, império
ou república concebeu mais elevado desígnio. Sem possibilidade alguma de auxílio
humano, partilham entre si a conquista do mundo. Decidem substituir as religiões
estabelecidas em toda a terra, as falsas ou as verdadeiras em parte, tanto entre os gentios
como entre os judeus. Querem fundar um novo culto, um novo sacrifício, uma nova lei,
porque, dizem eles, um certo homem crucificado em Jerusalém assim o ordenou.”
(Bossuet)
8. PEREGRINAÇÃO POR CRISTO – P.P.C.
O desejo de travar contato com cada uma das pessoas deve começar por aqueles que
estão ao nosso alcance. Porém, não deve parar aí, mas avançar, por passos simbólicos, para
além da esfera da vida normal. Um tal propósito é facilitado pelo Movimento legionário
conhecido por Peregrinação por Cristo (P.P.C.). Este nome deriva do heroísmo missionário
dos Mon-
322
[Capítulo 40 Ide por Todo o Mundo e Pregai o Evangelho página 323]
ges do Ocidente, imortalizados na obra clássica de Montalembert. Essa multidão invencível
“deixou a sua terra, a sua família e a casa de seus pais” (Gn 12, 1) e cruzou a Europa nos
séculos sexto e sétimo, reerguendo a fé que o desabamento do Império Romano arrastara
consigo.
Com o mesmo idealismo, a Peregrinação por Cristo envia grupos de legionários,
que dispõem de tempo e meios, a lugares distantes, onde as condições religiosas são más,
para ali exercerem, durante um período limitado de tempo, “a missão delicada, difícil e
impopular de revelar que Cristo é o Salvador do Mundo, missão essa de que o povo se deve
encarregar” (Paulo VI). Os lugares próximos não são próprios para a peregrinação. Se
possível, deveria fazer-se em um país diferente.
A afirmação do princípio de viajar e correr aventuras pela fé, mesmo por pouco
tempo – uma ou duas semanas –, pode transformar a mentalidade legionária e impressionar
vivamente a imaginação de todos.
9. MISSIONÁRIOS DE MARIA
Há corações generosos, no entanto, que em muitos casos não se contentarão com dar
uma semana ou duas, mas desejam oferecer um período mais longo de serviço legionário,
longe da terra natal. Os legionários que possam garantir um meio de subsistência no lugar
previsto e ausentar-se seis meses, um ano ou mais, sem prejudicar a família ou outros
compromissos, podem ser designados pelo Concilium, Senatus ou Regia, por um período
conveniente, para um tal encargo missionário. Para isto, requer-se, sem dúvida, o concurso
das autoridades do lugar previsto.
Estes voluntários são conhecidos por Missionários de Maria, expressão que denota a
sua permanência transitória num lugar distante, animados por um espírito de sacrifício por
Maria.
10. JORNADA APOSTÓLICA
Jornada Apostólica é a expressão usada para designar o que poderíamos chamar
uma mini-Peregrinação.
Cada Praesidium é convidado, se possível como grupo, a consagrar ao menos um
Domingo por ano a uma campanha num
323
[Capítulo 40 “A maior das Três é a Caridade” página 324]
lugar – possivelmente numa área com problemas – a pequena distância, nunca tão longe
que se tenha de gastar tempo excessivo na viagem. A Jornada pode ir além de um dia;
talvez seja possível dedicar-lhe dois ou três.
A Jornada Apostólica possibilita à maioria dos membros (em muitos casos, a todos)
lançar-se numa tal aventura. Está provado que, mesmo com a melhor boa vontade, a
Peregrinação por Cristo não é possível à maioria dos legionários.
O Concilium Legionis já chamou a atenção, repetidas vezes, para um ponto e a
experiência revela que se torna necessário insistir nesse mesmo ponto: a Jornada Apostólica
é essencialmente um projeto do Praesidium. Pede-se aos Conselhos e Praesidia que tenham
isto presente ao tratar da organização da Jornada.

[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 272]

[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 272]
jo de Deus, mas, mesmo assim, Ele não quis forçar a vontade humana. Ofereceu ao homem
a salvação. A este competia aceitar o oferecimento, gozando, no entanto, de plena liberdade
para o rejeitar. Chegara o momento por que tinham suspirado as gerações passadas e para o
qual convergiriam os olhares das gerações futuras, o momento mais crítico de todos os
tempos. Houve um silêncio. Maria não consentiu logo de início. Fez uma pergunta, a que o
anjo respondeu. Depois de um novo instante de silêncio, a Virgem exclamou: “Faça-se em
mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38) – palavras que atraíram Deus à terra e firmaram o
grande tratado de paz da humanidade.
Deus Pai quis que a Redenção dependesse de Maria.
Poucos são os homens que entendem todas as conseqüências do consentimento da
Virgem. Mesmo a generalidade dos católicos não mede a importância do papel por ela
desempenhado. Os Doutores da Igreja têm palavras como estas: se a Virgem tivesse
rejeitado a oferta da maternidade que lhe foi feita, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade
não teria encarnado em suas entranhas. Que tremenda importância isto tem! “Como é
aterrador pensar que Deus fez depender a vinda do Redentor à terra da sua serva de Nazaré!
O consentimento da Virgem – ‘Faça-se em mim’ (Lc 1, 38) – , na obra da Encarnação,
marca o fim do mundo antigo e o início do novo; é o cumprimento das profecias, a
encruzilhada dos séculos, o primeiro fulgor da Estrela da Manhã, anúncio do Sol da justiça;
é a palavra que forjou, tanto quanto é possível à vontade humana, o vínculo que fez descer
o céu à terra, e levantou a humanidade até Deus!” (Hettinger). Fato sublime, por certo.
Maria era a única esperança do gênero humano. O nosso destino, no entanto, estava bem
seguro em suas mãos. O consentimento de Maria foi o ato mais heróico que alguém possa
ter feito. Só Ela teve a grande coragem de dizer o “Sim”, tornando-se a colaboradora da
nossa redenção. E o Redentor veio, não só para ela, mas para toda a humanidade
desamparada, em nome da qual ela tinha falado. Com o Redentor, Maria obteve-nos o
máximo de benefícios sobrenaturais designados pela palavra Fé. Ora, a Fé é a verdadeira
vida dos homens. Nada mais importa. Por ela, tudo devemos abandonar e não recuar diante
de nenhum sacrifício. É a única coisa, neste mundo, digna de apreço. Em conclusão,
reflitamos bem, a Fé de todas as gerações passadas, presentes e futuras assenta nas palavras
da Virgem.
272
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 273]
Não há verdadeiro Cristianismo sem Maria.
Para lhe agradecer este dom inestimável, todas as gerações a devem proclamar
“bem-aventurada”. Excluir do culto cristão aquela que trouxe o Cristianismo à terra é
absolutamente inadmissível. Que pensar, então, de muitos que a depreciam ou desprezam
ou desonram do modo mais vil? Teriam eles refletido que todas as graças que recebemos
nos vêm através de Maria? Que, se tivessem sido excluídos do seu consentimento no
momento da Anunciação, não haveria para eles Redenção possível? Nesta suposição, eles
estariam fora do alcance redentor. Por outras palavras, não seriam cristãos de modo algum,
embora do alvorecer ao cair do dia gritassem sem cessar: “Senhor, Senhor” (Mt 7, 21). Por
outro lado, se, por favor de Deus, são cristãos, participantes da vida sobrenatural, é porque
Maria lhes obteve a graça, incluindo-os no seu consentimento. Resumindo, o Batismo, que
nos torna filhos de Deus, como conseqüência nos dá Maria por Mãe.
A gratidão por conseguinte, uma gratidão prática para com Maria, deve ser a
característica de todo cristão. As nossas ações de graças devem dirigir-se ao Pai e a Maria,
porque a Redenção é dádiva amorosa de ambos.
Encontramos sempre o Filho com a Mãe.
Foi do agrado divino que o reinado da graça não fosse inaugurado sem Maria, e é
vontade Sua que assim continuem as coisas. Quando Deus preparou S. João Batista para ser
aquele que viria antes de Jesus, santificou-o no momento da visita de Maria à sua prima
Isabel. Na primeira noite de Natal, aqueles que fecharam as portas à Santíssima Virgem, a
Jesus as fecharam também. Não perceberam que, ao despedir Maria, negavam a entrada ao
Messias esperado. Os pastores que, na noite de Natal, vendo o Menino Jesus, nos
representaram, encontraram o Esperado das Nações com Maria, Sua Mãe. Se tivessem
voltado as costas a Maria, nunca teriam achado Jesus. Na Epifania, os gentios foram
recebidos por Jesus na pessoa dos três Reis Magos; mas estes descobriram o Salvador
porque encontraram a Mãe. Se não quisessem aproximar-se dela, não teriam chegado a
Jesus.
A anunciação de Jesus, que aconteceu em segredo no recolhimento de Nazaré,
precisava ser publicamente confirmada no templo. Jesus oferece-se ao Pai, mas levado nos
braços e através das mãos de Sua Mãe, a quem pertence e sem a qual não pode
273
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 274]
apresentar-se. Mas continuemos. Dizem os Santos Padres que Jesus não começou a vida
pública sem o consentimento de Sua Mãe; e o mesmo Evangelho nos informa que o
primeiro dos grandes prodígios – o milagre de Caná –, com que provou a autenticidade da
Sua missão, foi feito a pedido de Maria.
O novo Adão, a nova Eva e a árvore da Cruz.
Quando se desenrolou a última cena do drama sangrento da Redenção, no Calvário,
Maria estava de pé, junto da Cruz, não só porque amava seu Filho com ternura, ou por mera
casualidade, mas precisamente na mesma qualidade com que estivera presente na
Encarnação: estava ali, como representante do gênero humano, confirmando o oferecimento
que fizera de seu Filho, por amor dos homens. O nosso divino Redentor não se ofereceu ao
Eterno Pai sem que ela consentisse e O oferecesse também em nome e a favor de todos os
seus filhos; a Cruz devia ser o sacrifício de todos eles, como o era de Jesus.
“Assim como verdadeiramente sofreu e quase morreu com seu Filho padecente” –
diz Bento XV – “assim renunciou aos direitos maternais sobre seu Filho, pela salvação dos
homens, e O imolou, tanto quanto estava em seu poder, para aplacar a justiça de Deus; de
modo que pode afirmar-se com razão que ela resgatou com Cristo o gênero humano”.
O Espírito Santo age sempre em união com Maria.
Mais um passo e estamos em Pentecostes, ocasião memorável em que a Igreja
começou a sua Missão. Maria estava presente. Foi pelas suas preces que o Espírito Santo
desceu sobre o Corpo Místico e n’Ele veio morar com toda a Sua ‘grandeza, poder,
esplendor, majestade e glória’ (1Cr 29, 11). Os serviços por ela prestados ao Corpo Místico
são idênticos aos que dispensou ao corpo físico de seu Filho. Esta lei aplica-se a
Pentecostes, espécie de nova Epifania. Em ambos os mistérios Maria é um elemento
necessário. E assim será em todas as coisas sobrenaturais até à consumação dos tempos.
Quaisquer que sejam as orações, os trabalhos e os esforços, se alguém põe Maria de lado,
afasta-se do plano divino; sem a presença de Maria nenhuma graça se concede. Que
pensamento esmagador! Aqui cabe a pergunta: Os que desconhecem e não respeitam Maria
deixam de receber as graças? Com certeza recebem, porque Maria, na Sua imensa bondade,
perdoa a falta de conhecimento e indiferença. Porém, que
274
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 275]
vergonhoso entrar assim no Reino dos Céus! Não é assim que se trata a Mãe de Jesus e
nossa, pois é Ela que nos ajuda a ir para o céu! Todas as graças que recebem de Maria, os
que assim procedem, são como um fio de água, se compararmos com o grande número de
graças que essas pessoas poderiam receber. A vida sem Maria torna-se uma vida vazia e
enfraquece na fé as pessoas.
Que lugar devemos dar a Maria?
Não faltam pessoas que, alarmadas, declaram fazermos injúria a Deus ao atribuir a
Maria poder tão universal. Mas onde está a injúria à dignidade divina, se quis Deus dispor
assim as coisas? Não seria prova de loucura afirmar que a força da gravidade escapa ao
poder divino? A lei da gravidade vem de Deus e concorre para o cumprimento dos Seus
desígnios, em toda a natureza. Por que dizer que ofendemos ao Criador reconhecendo a
influência e importância que Maria tem no mundo da graça? Até as leis da natureza
manifestam o poder de Deus. Porque, então, sendo Maria a eleita, a mais perfeita, Deus não
haveria de revelar n’Ela a Sua bondade e onipotência?
Admitida a obrigação de reconhecer as prerrogativas da Santíssima Virgem, resta
saber ainda como e até que ponto. “Como devo eu repartir, dirão alguns, as minhas orações
entre as três Divinas Pessoas, Maria e os Santos? Qual a medida exata, nem demais nem de
menos, que lhe devo oferecer?” Outros adorarão uma atitude mais extrema: “Porventura
não me afastarei de Deus, se dirigir as minhas orações a Maria?”
Todas estas dificuldades nascem da aplicação das idéias terrenas às coisas do céu.
Muitas pessoas acham que se devem separar as orações ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo,
a Maria e aos outros Santos. Pensam que essas orações precisam ser feitas separadamente.
Temos muitos exemplos que nos mostram ser possível e compatível o culto a Maria, aos
Santos e o culto supremo devido a Deus. Para acabar com essas dúvidas e dificuldades, a
melhor recomendação é a seguinte: “Devemos entregar tudo a Deus; pois bem:
entreguemos tudo a Ele por meio de Maria”. Essa forma de agir, mesmo que possa parecer
exagero, nos livra das dúvidas, da preocupação de medir as nossas devoções.
Todas as nossas ações devem confirmar o “Fiat” de Maria.
Que assim deve ser justifica-se pela Anunciação. Nesse momento solene, todo o
gênero humano estava unido a Maria, sua
275
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 276]
representante. As palavras de Maria eram o eco da voz da humanidade inteira. Maria
encerrava todos os homens em si, e Deus contemplava-os n’Ela. Ora, se a vida diária do
cristão não é mais que a formação de Jesus Cristo num membro particular do Corpo
Místico; e se esta formação não pode ser feita sem Maria, por ser um prolongamento da
Encarnação: que concluir senão que Maria é Mãe verdadeira de cada cristão, como o é do
próprio Cristo?
O seu consentimento e os seus cuidados maternais são tão necessários ao
crescimento diário de seu Filho em cada homem, como o foram para a concepção,
formação e desenvolvimento do corpo humano do Redentor. Disto, seguem-se numerosas
obrigações para todo o cristão. Salientemos, entre outras, as seguintes: Primeira, reconhecer
Maria, definitivamente e de todo o coração, como nossa representante no oferecimento do
sacrifício que, começado na Anunciação e consumado na Cruz, resgatou o mundo.
Segunda, confirmar tudo o que Maria fez, em nosso nome e em nosso favor, de modo a
podermos desfrutar, sem medo e plenamente, os infinitos benefícios que por esse meio Ela
nos alcançou. Mas, como deverá ser feita essa confirmação?
A solução deve ser a seguinte: se todos os atos da nossa vida são cristãos e nós
devemos isso a Maria, nada mais certo de que cada ato seja revestido de reconhecimento e
gratidão a esta Mãe, entregando-lhe absolutamente tudo o que somos e temos.
Glorifiquemos o Senhor com Maria.
Procuremos tê-la mais ou menos presente no pensamento em todas as circunstâncias
da vida. Vamos unir a nossa intenção e vontade às d’Ela, de forma que todos os nossos atos
e preces durante o dia sejam feitos em união com Maria. Façamos as nossas orações ao Pai,
ao Filho, ao Espírito Santo ou a outros Santos sempre em união com Maria. Conosco ela
pronunciará as mesmas palavras; brotarão dos seus lábios ao mesmo tempo que dos nossos;
em tudo ela tomará parte. Se procedermos assim, ela não estará, apenas, ao nosso lado,
mas, em certo sentido, dentro de nós; e a nossa vida será uma admirável trama de ações –
em que nós e ela, juntos oferecere mos continuamente a Deus o que em comum possuímos.
276
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 277]
Esta forma de devoção mariana, que abraça toda a nossa vida, é o justo
reconhecimento da parte que Maria desempenhou e continua a desempenhar na obra da
nossa salvação. É também a devoção mais fácil; soluciona as dificuldades dos que
procuram medi-la, e os escrúpulos dos que receiam tirar de Deus, entregando a Maria.
Entretanto, não hão de faltar católicos a exclamar: “É demais”. Mas, onde está a ofensa?
Em que Maria tira do Onipotente o culto que lhe é devido? Erram aqueles que assim
pensam. Dizem-se zeladores da dignidade de Deus e, no entanto, não se conformam e não
aceitam o plano que Deus traçou para Maria. Não observam os versículos da Bíblia que
falam das grandes coisas que em Maria foram feitas pelo Onipotente, e que dizem que todas
as gerações a chamarão “bem-aventurada” (Lc 1, 48-49)
A esses indecisos é necessário expor claramente a riqueza e plenitude desta
devoção. Como poderiam os legionários falar de outro modo? Palavras que diminuíssem ou
rebaixassem Maria iriam transformá-la num mistério. Se Maria fosse apenas uma sombra
vaga ou se o seu valor fosse apenas alguma coisa criada por nosso sentimentalismo, as
pessoas que não a valorizam estariam com a razão. E os católicos estariam errados. Por
outro lado, falar de seus títulos de glória e do lugar essencial que ela ocupa na vida cristã é
um desafio. E todos aqueles que possuem um coração capaz de perceber as influências da
graça não podem fugir a esse desafio. Essa atitude levará os indecisos a um exame calmo
do papel de Maria e eles se prostrarão a seus pés.
A Legião quer ser um reflexo vivo de Maria. Se se mantiver fiel a este nobre ideal,
partilhará também do dom supremo da Sua Rainha – o de iluminar os corações
adormecidos nas trevas da incredulidade.
“Santo Alberto Magno, o grande mestre de S. Tomás de Aquino, tem uma frase
encantadora no comentário à passagem evangélica da Anunciação: ‘O Filho elevou ao
infinito a excelência da Mãe: é que a infinita bondade do fruto revela a bondade infinita da
árvore que o deu’.
Na prática, a Igreja Católica considera a Mãe de Deus dotada de um poder
ilimitado no domínio da graça. Reconhece-a como Mãe de todos os resgatados por causa
da universalidade da sua graça. Em virtude da Maternidade divina, Maria é, tirando as
três Divinas Pessoas, o poder sobrenatural mais vasto, mais eficaz e mais universal
existente no céu e na terra.” (Vonier: A Maternidade Divina)
277
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 278]
2. A UM SER HUMANO DE VALOR INFINITO TEMOS QUE
DEDICAR INFINITA GENEROSIDADE, PACIÊNCIA E DOÇURA
A severidade, por mais suave que seja, não deve existir no apostolado legionário. As
principais qualidades do apóstolo legionário, para alcançar os resultados esperados, devem
ser a simpatia, a doçura e a bondade no trato com as pessoas. A todo o instante, em nossa
vida, achamos que essa ou aquela pessoa merece uma repreensão ou uma palavra mais
dura. E, logo depois que fazemos essa repreensão ou usamos essa palavra mais dura, nos
arrependemos de nossa fraqueza. Quem sabe? Talvez em cada um desses casos nos
tivéssemos enganado.
Queixamo-nos com amargura da rudeza e perversidade de certos indivíduos, e não
nos recordamos – oxalá nos recordássemos a tempo! – de que as disposições que neles
repreendemos são conseqüências do duro trato, embora merecido. A flor que desabrocharia
ao suave calor da doçura e da compreensão fecha-se completamente num ambiente frio. Por
outro lado, o ar de simpatia que o bom legionário irradia por toda a parte, a prontidão em
escutar, em compenetrar-se profundamente do caso concreto que lhe apresentam, são de
uma irresistível suavidade, capaz de amolecer ainda o coração mais endurecido e
desorientado, e de conseguir, em cinco minutos, o que falharia em um ano inteiro de
observações e conselhos.
Pessoas de caráter difícil andam sempre cheias de raiva. Irritá-las seria provocar
novos pecados e torná-las ainda mais difíceis de se deixarem atingir pela graça. Para ajudar
essas pessoas, é necessário conduzi-las com um tratamento respeitoso e tranqüilo, o que
poderá contribuir para acalmá-las.
Todo legionário devia ter gravadas a fogo em sua alma as palavras que a Igreja põe
nos lábios de Maria: “O meu espírito é mais doce que o mel e a minha herança mais suave
do que o favo de mel” (Eclo 24, 20). Outros podem fazer o bem por métodos mais fortes; o
legionário, para levar a termo a obra de Deus, só tem um método – o da bondade e da
doçura. O legionário que não usar de bondade e doçura correrá o risco de, em vez de fazer o
bem, só fazer mal. Os legionários que se desviam do reino da Mãe de Deus perdem contato
com aquela de quem depende o bom êxito da sua missão. E, sem Maria, que esperam eles
fazer?
“Nossa Senhora da Misericórdia” foi o título do primeiro Praesidium da Legião,
devido ao fato de o trabalho de início haver sido a visita a um hospital dirigido pelas Irmãs
da Miseri-
278
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 279]
córdia. Julgaram então os legionários que haviam tido a iniciativa da escolha desse nome;
mas quem ousaria duvidar de que a Virgem misericordiosa o sugeriu, para indicar desta
forma a característica que deveria distinguir para sempre o legionário?
Habitualmente, os legionários não desanimam na conquista dos pecadores.
Acontece mesmo com freqüência que durante anos e anos seguem incansáveis algum
pecador mais resistente à graça. Às vezes, porém, encontra-se certa qualidade de gente que
põe à prova a Fé, a Esperança e a Caridade do Apóstolo. Parecem estar fora da categoria de
pecador comum: são de uma extrema maldade, de um egoísmo refinado, de uma falsidade
sem medida, e transbordam de ódio contra Deus e de rebeldia contra a religião. Não se
descobre nessas pessoas, aparentemente, um rastro de bom sentimento ou de graça, um
vestígio de sobrenatural. Mostram-se tão más que nossa reação natural é nos afastarmos
delas, rejeitá-las. E achamos até difícil que Deus não sinta o mesmo que nós. O que
descobrirá Deus nessas criaturas, que possa fazer com que Ele deseje a união com elas na
Eucaristia e sua companhia no céu?
Há uma tentação natural, quase irresistível, de abandonar esses pobres a si próprios.
E, no entanto, o legionário não pode nem deve ceder perante estes raciocínios humanos,
porque são falsos. Deus ama estas pessoas, por mais desprezíveis e desfiguradas; e tanto e
tão ardentemente, que lhes mandou o Seu Filho Unigênito, nosso adorável Salvador, que
neste momento está com elas.
Mons. R. H. Benson exprimiu em termos palpitantes o motivo da tenacidade
apostólica do legionário: “Se o pecador, quando ofende a Deus, se limitasse a afastar de si a
Jesus Cristo, poderíamos talvez abandoná-lo à própria sorte. Mas é porque – nas terríveis
palavras de S. Paulo – o pecador se apodera de Cristo e o crucifica e expõe de novo às
injúrias (Hb 6, 6), que nunca poderemos deixá-lo entregue a si próprio”.
Que pensamento eletrizante! Cristo, nosso Rei, nas mãos do inimigo! Que estímulo
poderoso para sustentar a campanha de uma vida inteira, para enfrentar corajosamente o
mais feroz dos combates, para manter uma inflexível perseguição ao coração que é
imperioso converter para que cesse nele a agonia de Jesus Cristo. As rejeições e antipatias
naturais, quaisquer que elas sejam, devem ser consumidas ao fogo de uma fé ardente que
nos faça ver, amar e servir no pecador a pessoa adorável de Cristo crucificado. O aço da
melhor têmpera funde-se ao calor do maçarico; e haverá coração humano tão insensível que
resista à chama desta invencível caridade?
279
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 280]
A um legionário, de larga experiência entre os pecadores mais depravados de uma
grande cidade, perguntavam um dia se encontrara um caso absolutamente desesperado.
Ciente da sua responsabilidade de legionário, era difícil a ele confessar a existência de tal
categoria de pecadores; e respondeu haver casos tremendos mas poucos impossíveis.
Depois de insistências, acabou por admitir que conhecia um caso que talvez se pudesse
considerar desesperado. Naquela mesma tarde recebeu um solene desmentido. Por uma
estranha casualidade, encontrou-se na rua com a pessoa que acabava de indicar, travou
conversa com ela e três minutos depois realizava-se o impossível: o milagre de uma
conversão completa e duradoura.
“Na vida de Santa Madalena Sofia refere-se o episódio da busca perseverante de
uma pecadora. A Divina Providência colocou-a em seu caminho – ovelha desgarrada que,
sem o auxílio da Santa, jamais teria voltado ao rebanho. E a Santa prendeu-se a ela
durante vinte e três anos. De onde Júlia viera não se sabia, pois nunca contou duas vezes a
mesma história de sua vida. Pobre e solitária, de um temperamento difícil e caprichoso,
mentirosa, traiçoeira, desprezível, exaltada até às raias do delírio, nunca se vira
semelhante, diziam todos. Santa Madalena, porém, via apenas a alma que o Bom Pastor
arrancara aos lugares perigosos e entregara aos seus cuidados. A Santa adotou-a como
filha, escreveu-lhe mais de duzentas cartas e sofreu muito por sua causa. As calúnias e
ingratidões com que a infeliz respondia nunca conseguiram abalar o ânimo de Madalena,
que se manteve firme, perdoando sempre, sem nunca desesperar... Júlia veio a falecer na
paz do Senhor, sete anos depois da Santa.” (Monahan: Santa Madalena Sofia Barat)
3. CORAGEM LEGIONÁRIA
Toda profissão requer de seus membros uma coragem especial e considera como
indignos os que não a possuem. A coragem característica exigida pela Legião é a coragem
moral. Quase todo o trabalho legionário se resume no trato com as pessoas para as
aproximar de Deus. Este trabalho proporciona, por vezes, mágoas ou incompreensões, que
se manifestam em efeitos menos mortíferos que os das armas de guerra, mas enfrentados –
como a experiência o prova – com menos valor. De milhares que desafiaram com bravura
uma chuva de balas, dificilmente encontraremos um que não estremeça diante da simples
possibi-
280
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 281]
lidade de uma zombaria, de palavras rudes, de uma crítica grosseira, de um sorriso de
caçoada ou do receio de que julguem que está a pregar ou a exagerar santidade.
“Que vão pensar de mim? Que dirão?” – tal é a reflexão que causa calafrios em
muitas pessoas que deviam alegrar-se, como os Apóstolos, de serem achadas dignas de
sofrer insultos pelo nome de Jesus Cristo (At 5, 41)
Se não se reage contra esta timidez, vulgarmente chamada respeito humano, o
trabalho de apostolado a favor do próximo reduz-se a uma bagatela. Olhemos ao redor e
vejamos os estragos que ela produz. Os fiéis vivem em toda parte no meio de numerosos
pagãos ou de não-católicos ou de católicos não praticantes. Cinco por cento destes se
converteriam, se alguém tivesse a coragem de lhes apresentar, individualmente, a doutrina
da Igreja. Estes cinco por cento seriam uma brecha que facilitaria a conversão em grande
escala. Mas ninguém dá um passo sério neste sentido. Os católicos bem desejariam fazer
alguma coisa, mas o veneno mortal do respeito humano paralisa-lhes as forças. Apresentese
com os rótulos de “prudência elementar”, “respeito pelas opiniões alheias”, “empresa
inútil”, “esperemos ordens”, ou outras semelhantes, o efeito é sempre o mesmo: paralisa a
ação.
Conta-se, na vida de S. Gregório que, estando para morrer, perguntou aos que o
rodeavam quantos infiéis havia na cidade. “Só dezessete”, responderam sem vacilar. O
Bispo moribundo, depois de refletir um instante, declarou: “Foi exatamente o número de
fiéis que encontrei aqui, quando fui sagrado Bispo”. Achou dezessete crentes e deixou
dezessete descrentes. Que prodígio! Pois bem, a graça de Deus não se esgotou com o passar
dos séculos. Hoje, como outrora, a fé e a coragem podem conseguir êxitos idênticos. O que
falta aos católicos não é precisamente a Fé, mas a coragem.
Convicta disso, a Legião travará luta sem quartel contra a maligna influência do respeito
humano em seus membros. Primeiro, opondo-lhe uma saudável disciplina; segundo,
ensinando os legionários a considerarem o respeito humano como um soldado considera a
covardia, e a atuarem com a convicção de que o amor, a lealdade e a disciplina pouco
valem, se não levam ao sacrifício e à coragem.
Um legionário sem coragem! Que diremos dele senão as palavras de São Bernardo:
“Que vergonha ser um membro delicado sob uma cabeça coroada de espinhos!”
281
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 282]
“Se lutais só quando vos sentis dispostos para o combate, que merecimento
podereis ter? Que importa que não tenhais coragem, se vos comportardes como se a
tivésseis? Se sentis preguiça para apanhar um fio do chão e, todavia, o apanhais por amor
de Jesus, tendes mais merecimento do que se fizésseis uma ação mais nobre num impulso
de fervor. Em lugar de vos entristecerdes, alegrai-vos, porque Nosso Senhor, deixando-vos
sentir a vossa própria fraqueza, vos oferece ocasião para salvardes maior número de
almas.” (Santa Teresa de Lisieux)
4. AÇÃO SIMBÓLICA
Dar a cada um dos trabalhos o melhor das energias, o melhor que se possa dar, é um
dos princípios básicos da Legião. Simples ou difícil, o trabalho deve ser feito no espírito de
Maria.
Existe também outro motivo importante. Nos empreendimentos de ordem espiritual,
ninguém pode dizer qual a medida do esforço necessário para atingir um objetivo. Ao tratar
com as pessoas, quando poderemos dizer “basta”? O princípio aplica-se de modo particular
às obras ou trabalhos mais difíceis. Em face deles ou exageramos a dificuldade, ou os
qualificamos até de “impossíveis”. Ora, a maior parte dos “impossíveis” não são de modo
nenhum impossíveis. Para quem tem zelo e habilidade, diz o filósofo, poucos são os
impossíveis. Somos nós que assim os imaginamos e os tornamos mais difíceis com a nossa
atitude.
Às vezes, porém, encontramo-nos frente a trabalhos realmente impossíveis, quer
dizer, que excedem as forças humanas. É evidente que, nos casos de impossibilidade real
ou imaginária, deixados ao nosso próprio critério, poríamos a ação de lado, por a
considerarmos inútil. Semelhante procedimento teria como conseqüência o abandono de
três quartas partes do trabalho mais importante a realizar, constantemente à espera de
operários, e reduziria a uma luta insignificante a vasta e ousada Campanha Cristã. Por isso,
a Legião exige dos seus membros, em todas as circunstâncias e a todo o custo – como
princípio fundamental – que se esforcem por atingir os objetivos pré-estabelecidos. Quer
natural quer sobrenatural, descartar a impossibilidade é a chave do possível. Só esta atitude
pode resolver os problemas; é o eco da frase evangélica: a Deus nada é impossível; é a
resposta do crente ao convite de Nosso Senhor a uma fé capaz de lançar os montes ao mar.
282
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 283]
Pensar na conquista espiritual do mundo, sem base numa inabalável fé em Deus,
torna muito difícil conseguir os bons resultados que se desejam.
Consciente destes motivos, a Legião preocupa-se primeiramente com reforçar o
espírito dos seus membros.
“Toda impossibilidade é divisível em muitas partes, cada uma das quais é possível”,
diz um ditado legionário, parecendo contrariar o raciocínio comum. A idéia, todavia, é
sumamente compreensível. Constitui a condição essencial da realização concreta. Resume a
filosofia do êxito. Se o espírito se deixar atordoar por considerar a tarefa impossível, as
forças físicas diminuirão e o corpo buscará o prazer do “não fazer nada”. Em tais
circunstâncias, cada dificuldade é uma impossibilidade concreta. Quando enfrentais um
obstáculo, diz o ditado legionário, dividi-o e vencereis. Não podemos atingir o alto de uma
casa de uma só vez, mas podemos chegar lá pelas escadas, subindo um degrau de cada vez.
Procedei de modo semelhante, perante uma dificuldade; dai um passo em frente.
Não vos preocupeis com o passo seguinte; concentrai-vos no primeiro. Dado este, a
oportunidade do segundo surgirá imediatamente ou não tardará muito; dai esse novo passo,
e em seguida o terceiro, o quarto. Ao fim de uma série de passos – talvez relativamente
pequena – verificareis que ultrapassastes o domínio do impossível e vos achais na terra
prometida.
A nossa insistência – note-se bem – recai sobre a necessidade de agir. Qualquer que
seja o grau da dificuldade, devemos dar um passo para a solucionar. É claro que o passo
deve ser tão eficiente quanto possível. Se não pudermos dar um passo eficiente, devemos
dar outro, embora menos eficiente. Se mesmo este for impossível, devemos fazer um gesto
positivo (só uma oração basta) que, aparentemente sem valor prático, caminhe, no entanto,
na direção do objetivo a conquistar ou com ele se relacione. É a este gesto insistente que a
Legião chama de “ação simbólica”. Ele fará desaparecer a dificuldade imaginária e abrirá
caminho, através da Fé, para a solução da verdadeira dificuldade.
O resultado pode muito bem ser a queda das muralhas de Jericó.
“E quando os sacerdotes tocavam as trombetas, à sétima volta, Josué disse a todo o
Israel: ‘Gritai; porque o Senhor vos entregou a cidade’. O povo gritou e os sacerdotes
tocaram as trombetas. Logo que a voz e o som chegaram aos ouvidos da multidão, caíram
de repente os muros; e cada um subia pelo lugar que lhe ficava defronte; e tomaram a
cidade” (Js 6, 16-20).
283
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 284]
5. TODO LEGIONÁRIO DEVE TRABALHAR ATIVAMENTE
Sem o espírito que lhe é próprio, a Legião é como um corpo sem vida. Esse espírito,
que tão admiravelmente transforma os seus membros, não flutua no ar, à espera de que o
respirem. Não, é um espírito vivificante, produto da graça e do esforço pessoal; depende do
trabalho que cada legionário, individualmente, realiza, e do modo como o realiza. Sem
esforço, o espírito é como a luz mortiça que ameaça extinguir-se.
Quer pela: 1) falta de vontade para entregar-se a uma obra considerada difícil, 2)
quer pela incapacidade em descobrir trabalho – que é bastante mesmo nas mais pequenas
localidades, – 3) quer ainda, e sobretudo, pelo receio de enfrentar as críticas hostis, pode
infiltrar-se no Praesidium certa tendência a evitar o trabalho ativo ou a designar aos
membros tarefas insignificantes. Fiquem, pois, todos devidamente avisados de que a Legião
se destina, por sua mesma natureza, a trabalhos substanciais ativos. Não há razão para
fundar a Legião, onde os membros não queiram enfrentar os trabalhos difíceis. Um
exército que não queira ir à luta não tem razão de existir. Da mesma maneira, os
membros de um Praesidium que não participem ativamente de qualquer trabalho não
podem chamar-se “Legionários de Maria”. Somente os exercícios de piedade, isto é, as
orações, visitas ao Santíssimo, etc., não satisfazem a obrigação legionário do trabalho
ativo.
Um Praesidium que não faça os trabalhos ativos não está cumprindo a finalidade da
Legião, que é exatamente a participação ativa. Dá a impressão de que a Legião não está
qualificada para certas atividades, o que não é correto. A Legião está muito bem preparada
para exercer todos os tipos de atividades.
6. O PRAESIDIUM CONTROLA O TRABALHO
É ao Praesidium que compete designar o trabalho dos membros. Estes não têm, por
si sós, a liberdade de empreender, em nome da Legião, qualquer trabalho que lhes agrade.
Contudo, não se deve interpretar esta regra com tanto rigor que impeça de aproveitar uma
oportunidade de fazer o bem. De fato, todo legionário deve considerar-se, de certo modo,
sempre de serviço. Se surgir a oportunidade de realizar, casualmente, qualquer trabalho, o
legionário pode apresentá-lo na reunião seguinte. Acei-
284
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 285]
to pelo Praesidium, torna-se trabalho ordinário da Legião. Mas em tudo isto tenha o
Praesidium muito cuidado. Há pessoas de indiscutível boa vontade que, por tendência
natural, sofrem da doença de querer ocupar-se de tudo – menos do que lhes diz respeito – e
que, em vez de se aplicarem com firmeza ao que lhes foi designado, se dispersam. Tais
pessoas fazem mais mal do que bem; e, se não forem contidas a tempo, contribuirão em
grande parte para a quebra da disciplina legionária.
Uma vez abalada a consciência da responsabilidade do membro perante o
Praesidium e a idéia de que o legionário é enviado daquele com instruções precisas para
realizar um trabalho de que lhe cumpre prestar contas, a obra de que foi incumbido deixará,
em breve, de fazer-se, ou constituirá um perigo para a própria organização. A culpa dos
erros graves, que resultam deste procedimento independente, será atribuída à Legião,
quando na realidade é causada pelo não cumprimento de seus regulamentos.
Se alguns legionários, animados de particular entusiasmo, se queixarem de que o
excesso de disciplina lhes entrava os esforços para o bem, seria bom examinar o assunto à
luz do que acabamos de expor. É necessário, porém, que haja o máximo cuidado para não
dar motivo a queixas deste gênero: o fim essencial da disciplina é provocar a ação e não
brecá-la. Há pessoas que entendem a autoridade como o direito de dizer sempre “não” ou
impedir, de todas as formas, a iniciativa dos outros.
7. A VISITA DOIS A DOIS PROTEGE A DISCIPLINA LEGIONÁRIA
As visitas devem ser feitas por dois legionários. Pretende a Legião com esta regra:
Primeiro: proteger os legionários. Normalmente, não são tanto as ruas como as casas
visitadas que impõe este cuidado. Segundo: que os dois visitantes se animem um ao outro
para vencer o respeito humano ou a timidez natural, que hão de experimentar nas visitas a
lugares difíceis ou a casas de perspectivas pouco acolhedoras. Terceiro: imprimir ao
trabalho o cunho de disciplina, assegurando o pontual e fiel cumprimento das visitas de que
foram encarregados. Deixado cada um a si mesmo, facilmente se é inclinado a retardar a
hora ou a adiar indefinidamente a visita semanal. O cansaço, o mau tempo, o medo natural
em enfrentar uma visita desagradável, tudo
285
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 286]
entra em jogo espontaneamente quando não temos de guardar um compromisso com outra
pessoa. Resultado: as visitas são feitas sem a organização e freqüência desejadas e, por isso,
sem resultado e, em alguns casos, até deixam de ser realizadas.
Eis a norma habitual a seguir quando um visitante falta ao encontro combinado: se
se trata, por exemplo, da visita a um hospital ou de qualquer outra obra que, com toda a
evidência não implica perigo algum, o legionário pode ir só. Se, ao invés, se trata de
trabalho que o pode colocar em circunstâncias embaraçosas ou exige o acesso a lugares de
má fama, deve adiá-lo. Fique, contudo, bem entendido que a licença de fazer visitas
sozinho, como acima se expôs, é excepcional. As faltas repetidas de um dos visitantes aos
encontros marcados deverão ser encaradas pelo Praesidium com seriedade.
A regra das visitas dois a dois não quer significar que os dois legionários hão de se
dirigir necessariamente às mesmas pessoas. Tratando-se, por exemplo, de visitar a
enfermaria de um hospital, é normal e exemplar que cada um vá por seu lado e se ocupe de
pessoas diferentes.
8. É PRECISO DEFENDER O CARÁTER ÍNTIMO DO TRABALHO
LEGIONÁRIO
A Legião precisa tomar cuidado para não correr risco de ser usada por reformadores
sociais de entusiasmos exagerados. O trabalho da Legião deve revestir-se de humildade.
Começa no coração de cada legionário, pelo desenvolvimento do espírito de zelo e
caridade. Continua por um contato pessoal, direto e perseverante com os outros,
procurando, por este meio, contagiar o espírito de toda a comunidade. É um trabalho
silencioso, discreto e suave. O objetivo dos trabalhos não é acabar imediatamente com os
grandes males, mas fazer com que o ambiente fique cheio dos princípios e sentimentos
católicos, para que, num clima favorável, os males sejam extintos por si mesmos. Para a
Legião, a verdadeira vitória reside no desenvolvimento contínuo, por vezes lento, entre o
povo, de uma vida e de uma mentalidade profundamente católicas.
As visitas legionárias devem ter um caráter sigiloso. Os legionários jamais poderão
usar segredos que lhes forem confiados nas visitas, transmitindo-os aos outros, a fim de não
despertar o receio nas pessoas. Em vez de amigos, dignos de inteira confiança, passariam
aos olhos do público por pessoas suspeitas
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 287]
– uma espécie de polícia secreta a serviço da organização. As pessoas se sentiriam
ofendidas inevitavelmente com a presença dos legionários, e isto significaria o fim da
utilidade dos seus serviços.
Os encarregados de dirigir as atividades legionárias devem ter, portanto, o máximo
cuidado em não associar o nome da Legião a obras cujos fins, embora excelentes,
pressuponham métodos diferentes dos da Legião de Maria. Não faltam organizações
especiais para combater os flagrantes abusos do dia. Utilizem-nas os legionários quando for
necessário, e prestem-lhes a sua ajuda como simples particulares; mas que a Legião
continue fiel às suas tradições e aos métodos de trabalho que lhe são próprios.
9. É PARA DESEJAR A VISITA DE CASA EM CASA
As visitas legionárias deverão ser feitas, tanto quanto possível, de casa em casa, sem
distinção de pessoas. Com efeito, não faltaria quem se ofendesse com uma visita particular.
A não ser que haja razões graves, não deve omitir-se a visita às famílias nãocatólicas.
Nestes casos, não se revista de caráter agressivo sob o ponto de vista religioso,
mas anime-se do propósito de estabelecer relações amigáveis. A explicação de que se
visitam todas as casas, para travar conhecimento com os seus moradores, levará a uma
recepção favorável em muitas famílias não-católicas, circunstância que a Divina
Providência pode utilizar, talvez, como instrumento da graça, para atrair “as outras
ovelhas” que deseja conduzir ao Seu rebanho. As relações de amizade com católicos
dedicados ao apostolado farão desaparecer muitos preconceitos; e o respeito pelos católicos
será infalivelmente seguido do respeito pelo Catolicismo. Quando as pessoas não-católicas
tiverem esse respeito pelos legionários, começarão a pedir esclarecimentos, livros para
instruir-se, podendo ser até o começo de grandes coisas.
10. É PROIBIDA A DISTRIBUIÇÃO DE SOCORROS MATERIAIS
Não é permitido distribuir socorros materiais por mais insignificantes que possam
ser; e a experiência obriga-nos a incluir nesta categoria mesmo a roupa usada.
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 288]
Ao estabelecer esta regra, a Legião não despreza a assistência material, em si, às
pessoas necessitadas: afirma, apenas, que tal prática é prejudicial aos seus objetivos. Dar
aos pobres é obra boa; dar aos pobres, por motivo sobrenatural, é coisa sublime. Muitas
organizações, de reconhecido mérito, assentam nesse princípio; e, entre elas, a Sociedade
de S. Vicente de Paulo, a cujo exemplo e espírito a Legião tem o prazer de se proclamar
altamente devedora; e, a tal ponto, que pode afirmar-se que a Legião brotou daquela
Sociedade. Mas a Legião tem um campo de atividade completamente distinto. O seu
princípio básico é levar a cada indivíduo a riqueza dos bens sobrenaturais. Este programa é
incompatível, na prática, com a distribuição de socorros materiais, e isto por numerosos
motivos, alguns dos quais são os seguintes:
a) Poucas vezes as pessoas ricas receberiam bem as visitas de sociedades
beneficentes, com receio de passar aos olhos dos outros por pobres envergonhados. O
Praesidium que passasse a pedir esmolas correria o risco de limitar o seu campo de ação.
Para outras sociedades a esmola pode ser a chave de abrir; para a Legião seria a chave que
lhe fecharia todas as portas.
b) Os desiludidos nas suas esperanças de receber alguma coisa sentem-se
envergonhados, e se fechariam à ação legionária.
c) Mesmo entre os necessitados de socorros materiais, o legionário não fará bem
algum espiritual com a esmola. Que a Legião deixe, portanto, esse cuidado às sociedades
expressamente consagradas a tal fim, que para ele dispõem de graças especiais. Delas não
gozam os legionários, com certeza, pois, dando esmolas, transgridem o regulamento. O
Praesidium que se extravie, nesta matéria, estará envolvido em graves complicações, que
apenas acarretarão desgostos à Legião.
Contra o exposto não faltará, entre os legionários, quem apele para o dever
individual de socorrer os pobres, segundo as suas possibilidades, e afirme que quer dar
esmola, não como legionário, mas como simples particular. A análise deste modo de
proceder revelará as complicações que forçosamente origina. Suponhamos o caso – e é o
mais corrente – de alguém que não tenha o hábito de socorrer os pobres antes de ingressar
na Legião. No curso das suas visitas, encontra-se com pessoas necessi-
288
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 289]
tadas de uma maneira ou de outra. Abstém-se de dar esmola no dia da visita oficial da
Legião, e volta alguns dias depois para a dar como “indivíduo particular”. É indiscutível
que tal pessoa transgride a regra legionária que proíbe socorrer materialmente os pobres. A
dupla visita não passa de uma desculpa. Foi como legionário que fez a sua primeira visita, e
como legionário se inteirou das necessidades da família. Será do legionário que o pobre
receberá a esmola, sem fazer distinção alguma. Para ele, trata-se simplesmente de uma
esmola da Legião, e a Legião concorda com tal maneira de ver.
Lembrem-se bem de que a desobediência ou indistinção de um só membro, neste
assunto, pode comprometer todo um Praesidium.
É fácil conseguir fama de dar esmolas; não é preciso dar cem vezes, bastam duas.
Se um legionário, por qualquer razão, tem grande empenho num caso particular, por
que não poupar a Legião de mil problemas dando esmola anonimamente, através de um
amigo ou mediante uma associação consagrada à beneficência? Será que o legionário que
se recusa a agir anonimamente, neste caso, não está buscando mais a glória terrena do que a
glória do céu?
Os legionários, todavia, não devem mostrar-se indiferentes diante dos casos de
pobreza e necessidade que inevitavelmente hão de encontrar nas suas visitas domiciliares, e
informarão deles as associações competentes, conforme a natureza de cada caso. Se
falharem todos os esforços da Legião para conseguir o desejado auxílio, não é ela que deve
suprir essa deficiência, não lhe compete fazê-lo. Seria incrível que, em qualquer sociedade
moderna, não se pudessem encontrar indivíduos ou organizações dispostos a socorrer
alguém em semelhante caso.
“Sem dúvida que a compaixão manifestada aos pobres, aliviando-os nas suas
necessidades, é altamente recomendada por Deus. Mas, quem ousará negar que ocupa lugar
mais eminente o zelo e o esforço que se consomem no trabalho de instruir e persuadir as
almas, comunicando-lhes não os bens passageiros deste mundo, mas os bens eternos da
vida sobrenatural?” (AN)
Como muitos exemplos mostram que esta regra pode ser interpretada de uma forma
demasiado severa, é necessário declarar que os serviços prestados a alguém não constituem
auxílio material. Pelo contrário, são recomendados. Afastam a acusação de que os
legionários se limitam a falar de religião e são indiferen-
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 290]
tes às necessidades das pessoas. Os Legionários devem provar a sinceridade das suas
palavras, demonstrando o seu amor e serviço por todas as formas permitidas.
11. OS LEGIONÁRIOS NÃO PEDEM ESMOLAS
Da mesma forma que não se pode dar ajuda material nas visitas legionárias, também
elas não devem ser feitas com a finalidade de recolher donativos. Isso poderia garantir certa
soma de dinheiro, mas atrapalharia o ambiente para se fazer o bem espiritual. Seria agir
como aqueles que economizam um centavo e depois gastam, sem razão nenhuma, grandes
quantias.
12. NÃO HÁ POLÍTICA DENTRO DA LEGIÃO
Nenhum centro legionário permitirá que a sua influência e os locais à sua disposição
sejam utilizados para fins políticos ou a favor de algum partido político.
13. PROCUREMOS FALAR A CADA PESSOA
A essência do trabalho religioso consiste no desejo de atingir cada indivíduo em
particular, de incluir na esfera do seu apostolado não só os negligentes, os católicos, os
pobres ou os infelizes, mas todas as pessoas.
Não se deixem os legionários amedrontar pelos aspectos mais repulsivos da
indiferença religiosa. Não há pessoa, por mais perversa e mais indiferente à religião que
seja, por mais difícil que pareça o seu caso, que não se deixe influenciar pela fé, coragem e
perseverança do legionário. Por outro lado, não podemos também entender que a Legião
existe apenas para trabalhar com os casos mais graves. A grande atração que exerce sobre
os legionários a procura das ovelhas desgarradas do rebanho não deve fazer com que se
esqueçam do campo mais vasto de seu trabalho. Lembremo-nos de que, na atividade do
legionário, estão incluídos aqueles que, apesar de terem sido chamados por Deus à
santidade, contentam-se em cumprir o estritamente essencial. Os legionários devem
procurar conseguir que essas pessoas entreguem-se às obras de zelo e piedade. Tudo isso só
poderá ser conseguido com visitas contínuas e muita paciência. Contudo, se,
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 291]
como diz o Padre Faber, um santo vale mais do que um milhão de católicos comuns; e se,
como declara Santa Teresa de Ávila, uma só alma que, não sendo santa, procura santificarse,
é mais preciosa aos olhos de Deus que milhares de pessoas que levam uma vida comum:
que felicidade dirigir os primeiros passos de grande número de pessoas no caminho que se
afasta da rotina comum!
14. NINGUÉM É TÃO MAU QUE NÃO POSSA REGENERAR-SE,
NEM TÃO BOM QUE NÃO POSSA TORNAR-SE MELHOR
Nem uma só pessoa daquelas com quem o legionário se relaciona no decorrer das
suas visitas deve ser deixada no mesmo nível espiritual em que foi encontrada. Ninguém é
tão bom que não possa estreitar mais a sua união com Deus. Acontecerá, freqüentes vezes,
que os legionários visitam pessoas incomparavelmente mais santas do que eles; nem
mesmo então devem duvidar da sua capacidade de fazer o bem. Podem transmitir-lhes
novas idéias, novas devoções e arrancá-las à rotina. A alegre prática da vida apostólica não
pode deixar de as elevar.
Quer os legionários tratem com santos, quer com pecadores, procedam sempre com
confiança – cientes de que não atuam como particulares, com a sua própria pobreza
espiritual, mas como representantes da Legião de Maria, “unidos aos seus pastores e bispos,
à Santa Sé e ao mesmo Jesus Cristo” (UAD).
15. O APOSTOLADO INDEFINIDO É DE POUCA VALIA
Em cada caso, os legionários devem ter o propósito de realizar um bem considerável
e determinado. Faça-se muito bem a grande número de pessoas, se for possível; ou faça-se
muito bem a poucas; nunca, porém, pouco a muitas. O legionário que trilhe este último
caminho procede mal, pelo fato de considerar como feito um trabalho que a Legião declara
apenas começado, e impedir, como conseqüência, os demais membros de a ele se
entregarem. Mas outro perigo se esconde em semelhante processo: no momento de
desânimo, vai parecer a esse legionário que o pouco bem, feito a muitos, não aproveitou a
ninguém. O sentimento da própria inutilidade põe em perigo a perseverança do legionário.
291
[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 292]
16. O SEGREDO DA INFLUÊNCIA É O AMOR
Torna-se necessário insistir em que a realização de um bem real e extenso só pode
ser conseguido através de uma amizade sincera entre os visitados e os legionários. O bem
conseguido por outra forma será escasso e sem importância. Tenha-se isto em conta, de
modo especial, quando se tratar de visitas destinadas a obter a Entronização do Sagrado
Coração de Jesus nos lares. Por excelente e frutuosa em bênçãos que seja esta obra, não
deve considerar-se como fim principal. Visitas que terminassem após se conseguir
rapidamente a Entronização, etc., não teriam colhido, aos olhos da Legião, senão uma parte
mínima dos frutos que se pretendiam. Freqüentes e prolongadas visitas a cada família,
feitas por dois legionários, obrigam a um progresso lento; e isto mostra a necessidade
absoluta de intensificar o recrutamento e de multiplicar os Praesidia.
17. EM CADA UM DAQUELES POR QUEM TRABALHA,
O LEGIONÁRIO VÊ E SERVE A JESUS CRISTO
O motivo principal das visitas legionárias não será, em nenhum caso e em nenhuma
parte, o espírito de filantropia e de simples compaixão natural pelos infelizes. “Todas as
vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes” (Mt
25, 39). Com estas palavras gravadas no coração, o legionário deverá ver a Nosso Senhor
na pessoa do próximo, quer dizer, em todos os homens sem distinção, e prestar-lhes os seus
serviços em harmonia com esta norma. Os malvados, os ingratos, os estúpidos, os aflitos,
os desprezados, os desterrados da sociedade, os que provocam em nós naturalmente maior
antipatia, todos devem ser olhados sob esta luz sobrenatural. São, com certeza, os mais
pequeninos dos irmãos de Jesus Cristo e, por conseguinte, merecedores – segundo as
palavras de Cristo – dos nossos magníficos e respeitosos serviços.
Tenha o legionário sempre presente que não vai visitar um inferior ou mesmo um
igual, mas um superior, como um criado que visita o seu patrão. A falta deste espírito dá
aos visitantes um ar protetor, de superioridade, que impede a realização de todo e qualquer
bem, tanto natural como sobrenatural. Nessas condições, as visitas somente seriam
toleradas se esses legionários levassem algum presente para dar. Ao contrário, o legionário
amá-
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 293]
vel e simpático, que pede humildemente licença para entrar nas casas, será recebido com
alegria, mesmo chegando com as mãos vazias de bens materiais. E esse legionário
conseguirá bem depressa a amizade daqueles que visita. Nunca os legionários esqueçam
que a falta de simplicidade no trajar e no modo de falar levantará uma barreira entre eles e
os visitados.
18. PELO LEGIONÁRIO, MARIA AMA E CUIDA DO SEU DIVINO FILHO
Os métodos da Legião acham-se admiravelmente resumidos nas palavras com que
um legionário explicava os resultados felizes de uma visita desagradável e difícil:
“Conseguimos tornar-nos simpáticos”. Para despertar tal afeição é necessário manifestá-la
primeiro: amar as pessoas visitadas. Não há outro caminho a seguir, nem outra diplomacia
ou outra chave a empregar, se queremos influir realmente no seu espírito. Santo Agostinho
diz a mesma coisa nestas palavras: “Ama e faz o que quiseres”.
Num parágrafo magistral da vida de São Francisco de Assis, Chesterton sublinha
este princípio característico do Cristianismo: “S. Francisco via a imagem de Deus
multiplicada, mas nunca monótona. Para ele um homem era sempre um homem e não
desaparecia na multidão compacta mais do que num deserto. Honrava todas as pessoas,
quer dizer, não as amava apenas, respeitava-as. O extraordinário poder pessoal que exercia
provinha do fato de que, desde o Papa ao mendigo, desde o Sultão da Síria, na sua tenda,
aos salteadores mal vestidos que se arrastavam até fora da floresta, não havia um homem
que contemplasse os seus olhos castanhos e ardentes, sem ficar certo de que Francisco
Bernardone se interessava realmente por ele, pela sua vida interior, individual, desde o
berço ao túmulo; e de que era estimado e tomado a sério”.
É possível amar desta forma, sempre que se queira? Sim, basta ver em todos aqueles
por quem trabalhamos a Pessoa Adorável de Jesus, para que o amor se inflame. Com
certeza Maria gosta de ver dispensado com generosidade ao Corpo Místico do seu Divino
Filho amor semelhante ao que ela dispensou generosamente ao corpo físico de Jesus.
Podem os legionários contar com o seu auxílio nesta tarefa. Sempre que Maria descobrir
neles uma centelha de amor, um ânimo pronto a dar-se, ela há de inflamá-los,
transformando-os em fogueira ardente com o seu sopro maternal.
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 294]
19. TODAS AS PORTAS SE ABREM AO LEGIONÁRIO HUMILDE E
RESPEITOSO
A inexperiência receia sempre a primeira visita: o legionário, porém, novo ou
experiente, que levou a sério o que está explicado no item anterior, está na posse da chave
de todas as casas.
Note-se bem que não se entra nas casas por qualquer direito, mas somente por
cortesia dos ocupantes. Importa, por conseqüência, chegar até eles com educação e
humildade, como se os legionários fossem pedir licença para entrar no palácio de um rei.
Declarem com simplicidade a finalidade da sua visita e peçam humildemente licença para
entrar. Na maioria dos casos, as portas serão abertas de par em par e os legionários
convidados a se sentarem. Recordem-se então de que não foram lá para fazer uma
conferência ou uma série interminável de perguntas, mas para lançar a semente de uma
intimidade casual que abrirá as comportas aos tesouros espirituais encerrados na sua
palavra e influência apostólica.
Houve quem dissesse que a glória particular da caridade reside na compreensão dos
outros. Não há dom mais necessário neste mundo tão triste, “já que a maioria das pessoas
parece sofrer de um sentimento de abandono. São infelizes, porque ninguém se importa
com elas, porque ninguém se prontifica a ouvir as suas confidências” (Duhamel).
É preciso não levar muito a sério as dificuldades do começo. Mesmo quando as
pessoas são de uma grosseria calculada, a nossa atitude humilde lhes causará vergonha, e o
tempo conseguirá seus frutos.
O interesse pelas crianças oferece excelente oportunidade para travar conversa.
Perguntem às crianças sobre os seus conhecimentos religiosos e sobre os sacramentos que
já receberam. Se, logo de início, fizéssemos semelhantes perguntas aos pais, eles se
ofenderiam, talvez. Mas, através dos filhos, podem receber lições de grande proveito.
À despedida prepara-se o terreno para uma nova visita. A simples indicação de que se
gostou da visita e se espera voltar a ver a família na semana seguinte oferece, ao mesmo
tempo, uma despedida natural e uma boa preparação para a visita seguinte.
20. COMO PROCEDER NA VISITA ÀS INSTITUIÇÕES
Ao visitarem uma instituição, lembrem-se os legionários de que são aí pessoas
estranhas, como hóspedes em uma casa. Os
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 295]
dirigentes desses institutos receiam que os visitantes, apesar de caridosos, venham a
interferir nos horários e regulamentos de suas casas. Os legionários devem estar atentos,
para não cometer essas faltas, procurando informar-se com antecedência sobre os melhores
horários para visitas; não devem levar remédios ou artigos proibidos, e jamais ficar a favor
de um ou outro quando houver desentendimento entre o pessoal da instituição.
Alguns visitados hão de reclamar de maus tratos por parte dos dirigentes ou dos
companheiros. Não compete aos legionários remediar tais males, ainda que reais. Ouçam
com simpatia, é claro, as reclamações, e esforcem-se por inspirar sentimentos de aceitação
aos pacientes; mas não devem fazer, normalmente, mais do que isso. Se se sentirem
fortemente revoltados, desabafem na reunião semanal do Praesidium. Este estudará o
assunto sob todos os aspectos e aconselhará, se necessário for, as providências necessárias.
21. O LEGIONÁRIO NÃO DEVE AGIR COMO JUIZ
O respeito e a delicadeza não devem ser apenas atitudes exteriores do legionário,
sendo que o mais importante é tê-las no íntimo do seu espírito. Não faz parte da missão do
legionário constituir-se em juiz do próximo e muito menos impor a sua maneira de pensar e
agir, como se fosse a melhor. O fato de algumas pessoas pensarem de forma diferente, não
recebê-lo ou mesmo ficarem contra suas opiniões, não significa que não sejam dignas.
Não faltam indivíduos cujas ações se prestam a críticas; mas não é ao legionário que
compete fazê-las. Essas pessoas assemelham-se, com freqüência, aos santos que foram
acusados falsamente. Não se pode negar que há vidas que perderam o brilho por causa de
grandes abusos; mas só Deus conhece o íntimo das pessoas e só Ele pode avaliar com
justiça as responsabilidades de cada um. Porque, como diz Gratry: “Muitos precisam do
benefício da mais elementar educação. Nasceram sem patrimônio moral e, como alimento
da penosa viagem da vida, apenas receberam maus exemplos e más orientações. Ora, não
será pedido a cada um senão o que lhe tiver sido dado”.
Há muitos que fazem propaganda das suas riquezas e cuja vida está longe de ser um
modelo de santidade. Se o legionário se
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 296]
deixasse levar pela maneira de pensar e agir do mundo de hoje, seria levado somente a
criticar e dizer palavras bem duras a essas pessoas. Reflita, porém, um instante: quem sabe
se elas não se parecem com Nicodemos que, de noite e em segredo, procurou o Senhor,
trabalhou por Ele com dedicação, conseguiu-lhe numerosos amigos, amou-O com
sinceridade e teve o singular privilégio de lhe assistir ao enterro?
O ofício do legionário não é o de juiz ou de crítico. Considere como a Santíssima
Virgem contemplaria com amor todas estas situações e pessoas, e esforce-se por agir como
ela própria o faria.
Era costume de Edel Quinn nunca fazer um reparo a alguém sem antes apresentar o
assunto à Santíssimo Virgem.
22. ATITUDE EM FACE DAS CRÍTICAS AGRESSIVAS
Há freqüentes referências nestas páginas ao efeito paralisador exercido, mesmo
sobre as pessoas mais bem intencionadas, pelo receio das críticas contrárias. Haverá,
portanto, a maior vantagem em considerar o seguinte princípio: o objetivo principal da
Legião – e que lhe assegura os mais amplos êxitos – é a criação de elevadas normas de
pensamento e de ação. Os seus membros, consagrando-se ao apostolado, tornam-se
exemplo do sublime ideal da vida cristã do leigo. Em virtude do instinto singular que
arrasta os homens a seguir, mesmo contra vontade, as coisas que os impressionam, todos
serão levados (uns mais outros menos) a aproximar-se deste ideal. O fato de muitos
procurarem segui-lo com franqueza e de todo o coração é sinal inconfundível da sua
eficiência. Outro sinal ainda mais comum são as críticas contrárias que provoca, por ir de
encontro às baixas concepções da vida. É uma sacudida na consciência popular que, como
sempre acontece, motivará uma reação saudável de inquietação e protesto, seguida em
breve de uma transformação para melhor. A falta de qualquer reação revela o fracasso do
ideal proposto.
Não devem causar admiração as críticas despertadas pelas atividades da Legião,
desde que não sejam conseqüências de métodos errados. Não se esqueçam do mais
importante princípio de todo apostolado: “Os homens só se deixam conquistar pelo amor e
pela bondade, aliados ao exemplo discreto, que não os humilhe nem os obrigue a ceder.
Detestam ser atacados por alguém cuja preocupação é vencê-los” (Giosue Borsi).
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 297]
23. NUNCA DESANIMAR
Os mais generosos esforços, continuados com heroísmo, produzem, às vezes,
poucos frutos. Os legionários não têm ambição de conseguir resultados visíveis; mas seria
desastroso trabalhar com a impressão constante de estar desperdiçando as próprias forças.
Sirva-lhes de consolo e ânimo para maiores esforços o seguinte pensamento: impedir um só
pecado é infinitamente importante, porque esse pecado arrastaria atrás dele uma série de
outros males e pecados. “Por menor que seja um corpo, influi no equilíbrio dos astros.
Assim, de um modo que só o Vosso espírito pode conceber e calcular, ó Senhor, o mínimo
movimento da minha caneta, correndo sobre o papel, está intimamente ligado ao girar das
esferas celestes, para o qual contribui e de que faz parte. O mesmo acontece no mundo das
idéias. As idéias vivem e têm as mais complexas repercussões no domínio da inteligência,
um mundo incomparavelmente superior ao mundo material; um mundo unido e compacto
também, na grandiosa, fecunda e variadíssima complexidade do seu ser. E o que se dá com
o mundo material e intelectual acontece com esse outro infinitamente maior que os dois: o
mundo moral” (Giosue Borsi). Todo pecado faz estremecer o mundo moral. Repercute
destruidoramente na alma de cada homem. Algumas vezes o primeiro elo da cadeia é
visível, como quando uma pessoa arrasta outra a pecar. Mas, visível ou não, todo pecado
leva a outro pecado. De modo semelhante, um pecado que se impediu afasta de outro
pecado, e este de um terceiro e assim indefinidamente, até formar uma cadeia que abraça a
terra inteira e o correr de todos os tempos. Será demais afirmar que cada pecador
convertido, com o passar dos tempos, virá a ser o chefe de um exército de pessoas que
seguirão seus passos até o paraíso?
Impedir, pois, um só pecado mortal é objetivo que justifica os mais árduos esforços
– mesmo os de uma vida inteira -, pois não haverá pessoa que não sinta os reflexos
salutares desse fato. E quem sabe se esse pecado, que se evitou, não determinará o destino
eterno de uma pessoa, ou não será o primeiro impulso de um movimento de crescimento
espiritual que, com o tempo, transferirá um povo inteiro de uma vida de desordem para a
prática da virtude?
24. A CRUZ, SINAL DE ESPERANÇA
Mas o perigo principal do desânimo não está na resistência – por mais feroz que ela
seja – das forças com que a Legião tem
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 298]
de bater-se, mas na suprema angústia que se apodera do legionário ao verificar a falência
dos auxílios e das circunstâncias em que se julgava no direito de confiar. Abandonam-no os
amigos, as pessoas de bem se afastam, os instrumentos de trabalho o traem; e “tudo quanto
lhe servia de apoio traiu a sua paz”. Se não fosse esta foice sem corte, diz ele consigo, se
não fossem as falhas dos companheiros de trabalho e esta cruz que me esmaga, que rica
colheita eu não faria!
A impaciência, quando há muitas dificuldades para se conseguir fazer o bem, pode
constituir um perigo, lançando o desânimo numa pessoa que as forças inimigas não
conseguiram abater.
Recordem-se sempre de que as obras de Deus hão de trazer o sinal do Salvador: a
Cruz. Toda obra que não tiver este distintivo é de caráter sobrenatural duvidoso e de frutos
escassos. Janet Erskine Stuart exprime este mesmo princípio por outras palavras: “Se
examinardes a História Sagrada, a História da Igreja e a vossa própria experiência, que se
vai consolidando com os anos, verificareis que as obras de Deus nunca se realizam em
condições ideais, conforme as havíamos imaginado ou preferido”. Parece estranho, mas isto
quer dizer que aquilo que, para nós, parece impedir que o bem se realize e acaba com
nossas esperanças não é realmente um obstáculo. Quando se trata das coisas de Deus, essas
dificuldades, na realidade, são essenciais e necessárias para que a obra triunfe. Não são uma
falha, mas o sinal da garantia. Não são um peso morto, mas um estímulo para o nosso
esforço, a fim de atingir o objetivo. Deus alegra-se em fazer brotar o êxito de condições
desfavoráveis. Manifesta assim o seu poder, fazendo realizarem-se seus projetos por meio
de instrumentos incapazes.
Mas prestem atenção os legionários a este aviso muito importante: para que as
dificuldades sejam proveitosas, não devem ser conseqüência do desleixo e descuido do
próprio legionário. A Legião não pode esperar que as suas culpas, por obras ou omissões, se
tornem fontes de graças divinas.
25. O TRIUNFO É UMA ALEGRIA; O FRACASSO,
O ADIAMENTO DE UM TRIUNFO
Bem considerado, o trabalho devia ser uma fonte inesgotável de prazer. O triunfo é
uma alegria; o fracasso, uma penitência e um ato de fé – motivo de uma alegria superior
para o legionário consciente, que vê nele apenas o adiamento de um triunfo
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 299]
maior. É naturalmente agradável ser recebido com sorrisos de agradecimentos pelas pessoas
que apreciam altamente as visitas legionárias. Mas os olhares desconfiados devem ser
motivo de consolação mais profunda, pois revelam um mal muito sério, que até aí passou
despercebido. A experiência da Legião ensina que onde houver sentimentos
verdadeiramente católicos – ainda que, talvez, adormecidos pelo abandono das práticas
religiosas – sempre o visitante afável e simpático é recebido com agrado; quando, porém,
acontece o contrário, é sinal, com freqüência, de que alguma pessoa está em perigo.
26. ATITUDE A TOMAR PERANTE OS DEFEITOS DOS PRAESIDIA E DOS
LEGIONÁRIOS
É preciso ter paciência com os defeitos dos Praesidia ou dos legionários. O fato de o
zelo parecer preguiçoso, os progressos insignificantes e as fraquezas humanas uma triste
realidade não deve desanimar ninguém. Recorram, em tais casos, às seguintes reflexões que
os podem estimular.
Se alguns legionários deixam a desejar a despeito do impulso enérgico que recebem
da sua organização e da influência indiscutível que as orações e o serviço generoso da
mesma exercem sobre cada um, que seria deles sem a Legião? Além disso, não será bem
baixo o nível espiritual de uma comunidade, quando se mostra incapaz de fornecer alguns
operários capazes para a formação de um bom Praesidium?
A conclusão que se impõe é clara: elevar o nível do ambiente por mais que custe. O
melhor meio e, de fato, o único, é fazer penetrar nessa comunidade o espírito apostólico,
para que atue sobre a população “até fermentar toda a massa” (Mt 13, 33). Importa, por
conseqüência, aproveitar os apóstolos existentes, de que se pode dispor, e cultivá-los com
invencível paciência e doçura. O espírito católico desenvolve-se, de ordinário, lentamente.
Por que esperar, então, que o espírito apostólico cresça num repente? Desanime-se, e
desaparecerá o único recurso.
27. DESINTERESSE TOTAL
A Legião nunca se deixará empregar como instrumento em proveito dos interesses
materiais de qualquer membro. Não deveria ser necessário prevenir alguém da exploração
indigna da sua qualidade de legionário dentro ou fora da Legião.
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 300]
28. NÃO SE OFERECE PRESENTE AOS MEMBROS
É proibido aos diversos grupos legionários dar dinheiro ou brinde equivalente aos
seus membros. O número de ofertas, no caso de tolerância, tenderia a aumentar e
constituiria, para os grupos, pesado encargo financeiro. Defendam-se disto, tendo em vista,
sobretudo, o grande número de pessoas de poucas posses que a Legião tem a ventura de
possuir nas suas fileiras.
Por conseguinte, se os Praesidia ou os Conselhos Legionários desejam assinalar um
acontecimento especial na vida de um membro, que o façam pelo oferecimento de um
ramalhete espiritual.
29. NÃO HÁ DISTINÇÃO DE CLASSES NA LEGIÃO
A Legião, regra geral, é contrária à formação de Praesidia compostos
exclusivamente de membros pertencentes a uma classe ou grupo determinado da
comunidade. Eis alguns motivos:
a) Restringir, muitas vezes, equivale a excluir, com prejuízo claro para a caridade
fraterna.
b) Normalmente o recrutamento faz-se entre os amigos dos legionários (é o melhor
método), muitos dos quais poderiam não ser qualificados para este ou aquele Praesidium
especial.
c) Um Praesidium formado por representantes de várias classes e meios da
sociedade fornecerá, quase sempre, um trabalho mais eficiente.
30. BUSCAR A UNIÃO
A Legião deve esforçar-se, com firmeza, por combater as divisões e inumeráveis
desavenças do mundo. Este processo tem de iniciar-se na unidade orgânica que é o
Praesidium. Seria inútil para a Legião falar em resolver os problemas que separam e
afastam as pessoas umas das outras no mundo, se o espírito de desunião fosse evidente nas
suas próprias fileiras.
Preocupe-se, pois, a Legião, com a unidade e a caridade que devem reinar no Corpo
Místico de Cristo e procure organizar-se em conseqüência. Ao reunir no mesmo
Praesidium, como irmãos, pessoas que o mundo separa, a Legião faz um bem de
incalculável valor. Uma vez que se estabeleça a caridade entre os membros de um
Praesidium, esse espírito vai contagiar as pessoas de fora. Assim, o espírito de caridade vai
destruindo o espírito de discórdia que existe no mundo, até aniquilá-lo totalmente.
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 301]
31. MAIS CEDO OU MAIS TARDE, OS LEGIONÁRIOS DEVEM
ENFRENTAR OS TRABALHOS MAIS DIFÍCEIS
A escolha de trabalhos pode dar lugar a dúvidas. Não faltam, com certeza,
problemas graves, mas o Diretor Espiritual receia, talvez, confiá-los a um Praesidium ainda
jovem.
Os motivos de receio não devem predominar, de modo geral, sob pena de se
merecer a censura de S. Pio X: o maior obstáculo ao apostolado é a indecisão, ou, antes, a
covardia dos bons. Contudo, se as dúvidas continuarem, atue-se a princípio com prudência,
experimentando as forças em trabalhos mais simples. À medida em que as reuniões vão
acontecendo uma após a outra e se adquirir experiência, hão de aparecer alguns membros
capazes de trabalhos mais difíceis. Entregue-se a estes o trabalho em discussão, dando-lhes,
como auxiliares, alguns companheiros, conforme as exigências do trabalho e a revelação
das aptidões de cada um. Houvesse apenas dois legionários empregados em tarefas deste
tipo, e o seu exemplo exerceria um efeito acentuado sobre as atividades dos membros
restantes.
32. ATITUDE DIANTE DO PERIGO
O sistema legionário, observado com fidelidade, reduz ao mínimo as condições
desfavoráveis; contudo, há trabalhos importantes em que se correm certos perigos. Se,
depois de maduro exame, se verifica: a) que um determinado trabalho, de que depende a
salvação das pessoas, ficaria por fazer, no todo ou em parte; b) que foram tomados todos os
cuidados possíveis, para proteger os membros – não tenhamos receio de utilizar os
legionários mais capacitados e experientes. Os legionários não podem, de maneira
nenhuma, permanecer indiferentes, diante dos perigos que avançam para perder as pessoas.
Se agissem assim, se tornariam indignos do nome de legionários de Maria. “Deus nos
guarde da serenidade do ignorante. Deus nos livre da paz dos covardes” (De Gasparin).
33. NAS BATALHAS DA IGREJA, A LEGIÃO DEVE ESTAR
SEMPRE NA VANGUARDA
Os legionários participam da fé que Maria deposita na vitória de seu Filho – a fé de
que, pela Sua morte e ressurreição, Jesus conquistou o inteiro domínio sobre o pecado no
mundo.
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 302]
E na medida em que nos unimos a Nosso Senhor, o Espírito Santo põe esta vitória à nossa
disposição em todas as batalhas travadas pela Igreja. Convictos desta idéia, os legionários
devem tornar-se uma inspiração para a Igreja inteira, pela confiança e coragem com que
enfrentam os grandes problemas e males do momento atual.
“Importa compreender a natureza do combate que travamos. O nosso combate não
é só para alargar-se as fronteiras da Igreja, mas para unir as almas a Jesus Cristo. Esta é,
certamente, a mais estranha das guerras, porque combatemos, não contra o inimigo, a
pessoa que pretendemos conquistar para Cristo, mas a favor dele. Não nos deixemos
desorientar pela palavra ‘inimigo’.
Todo descrente, como todo católico, tem uma alma imortal, criada à imagem de
Deus, pela qual Cristo morreu. Por mais violenta que seja a hostilidade de uma pessoa a
Cristo ou à Igreja, o nosso fim é convertê-la e não apenas vencê-la. Jamais devemos
esquecer que o demônio quer levar a alma deste descrente para o inferno (como quer levar
a nossa), e o nosso dever é combater o demônio, a favor deste descrente. Podemos ser
forçados a opor-nos a um homem, para o impedir de pôr em perigo as almas; mas o que
sempre queremos é conquistá-lo para que a sua alma possa se salvar. É armados do poder
do Espírito Santo (sic) que devemos combater, e o Espírito Santo é o Amor do Pai e do
Filho. Na medida em que os soldados da Igreja combaterem cheios de ódio, combatem
contra o Espírito Santo.” (F. J. Sheed: Teologia para os Principiantes)
34. O LEGIONÁRIO DEVE PROPAGAR TUDO O QUE É CATÓLICO
Os legionários não devem descuidar do uso dos escapulários, medalhas e distintivos
aprovados pela Igreja. Os legionários devem distribuir as medalhas e distintivos,
explicando o seu significado, e propagando a sua devoção, pois, assim, estarão abrindo
mais canais, por onde Deus distribuirá suas bênçãos e graças. Como prova, poderíamos
citar inúmeros exemplos.
Amem, de modo particular, o escapulário de Nossa Senhora do Carmo, verdadeiro
distintivo e vestimenta de Maria. Alguns interpretam literalmente o texto: “Quem morrer
revestido deste hábito não se perderá eternamente”. O Padre Cláudio de la Colombière não
tolerava restrições: “Alguém pode perder o escapulário, mas quem dele estiver revestido à
hora da morte será salvo” (Padre Raul Plus).
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 302]
Promovam igualmente a piedade no seio das famílias, animando-as a possuir
crucifixos e imagens, colocar nas paredes gravuras e quadros com motivos religiosos, e a
ter sempre em casa água benta e um Terço devidamente indulgenciado.
As famílias que desprezam os sacramentais da Igreja correm o risco de, pouco a
pouco, abandonar os Sacramentos. As crianças, sobretudo, mostram-se extremamente
impressionáveis por estas manifestações externas de religião e hão de experimentar séria
dificuldade em compreender o caráter verdadeiro e íntimo de fé, num lar em que falte a
imagem ou quadro de um santo, ou de Maria, ou de Jesus.
35. “VIRGO PRAEDICANDA”: A VIRGEM DEVER SER DADA A
CONHECER A TODOS OS HOMENS, PORQUE É SUA MÃE
Um tema importante para Leão XIII era que Maria é a mãe de todos os homens e
que Deus implantou a semente do amor por ela em todos os corações, mesmo naqueles que
não a conhecem. Esta semente destina-se a crescer e, como qualquer capacidade, pode ser
desenvolvida, desde que lhe sejam dadas as condições apropriadas. As pessoas devem ser
contatadas e informadas do papel maternal de Maria.
O Concílio Vaticano II proclamou esta maternidade universal de Maria (LG 53, 65)
e declarou que ela é, em tão elevado grau, a fonte e o modelo do apostolado, que a Igreja
deve depender dela nos seus esforços para salvar todos os homens (LG 65).
O Papa Paulo VI pede que em toda a parte, especialmente onde há muitos nãocatólicos,
os fiéis sejam perfeitamente instruídos sobre a função maternal de Maria, a fim
de que eles possam distribuir este tesouro de conhecimento aos irmãos mais pobres. Além
disso, recomenda ao seu amoroso Coração todo o gênero humano, para que Ela possa
cumprir a sua missão de orientar todas as pessoas para Cristo. Finalmente, para pôr em foco
a sua função maternal e unificadora de todos os membros da família humana, Sua
Santidade confere a Maria o título significativo de “Mãe da Unidade”.
Erram, pois, lamentavelmente, os que consideram a Santíssima Virgem uma barreira
à conversão, barreira que se deveria derrubar. Ela é a mãe da graça e da unidade, de tal
sorte que, sem ela, as pessoas não encontrarão o seu caminho. Os legioná-
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[Capítulo 39 Principais Diretrizes do Apostolado Legionário página 304]
rios devem aplicar constantemente este princípio aos seus esforços de conversão das
pessoas, quer dizer, explicar a todos o que por vezes, mas erradamente, se chama devoção
legionária a Maria. Não é propriedade da Legião, pois de fato a Legião aprendeu-a da
Igreja.
“A Virgem Maria foi sempre proposta pela Igreja à imitação dos fiéis, não
exatamente pelo tipo de vida que Ela levou ou, menos ainda, por causa do ambiente sóciocultural
em que se desenrolou a sua existência, hoje superado quase por toda parte; mas
sim, porque, nas condições concretas da sua vida, Ela aderiu total e responsavelmente à
vontade de Deus (cf. Lc 1, 38); porque soube acolher a Sua palavra e pô-la em prática;
porque a sua ação foi animada pela caridade e pelo espírito de serviço; e porque, em
suma, Ela foi a primeira e a mais perfeita discípula de Cristo – o que, naturalmente, tem
um valor exemplar universal e permanente.” (MCul 35)